Lições que minha irmã me ensinou

Quando éramos pequenos ela corrigia os meus chinelos, que eu teimava em botar invertido. Na infância ainda, ela me ensinou que quando um não quer dois não brigam, apesar das nossas esparsas tentativas de brigas, já que nosso apelido era Sandy e Júnior – os irmãos que nunca brigam.

Na adolescência, ela descobriu o mundo e me inspirou a fazer o mesmo. Não que eu tenha conseguido fazer metade do que ela fez e nem ter vivido tantas experiências como ela viveu. Nos formamos na faculdade juntos, uma festa só, e ali ela me mostrou que nem todo mundo quer a mesma coisa, que meu desejo louco de virar trainee era o meu desejo e não o dela, era a minha verdade e não a dela.

Há pouco temos atrás ela me fez perceber as infinitas possibilidades que a vida nos oferece e as mais diversas dimensões de sucesso e realização.

Parece que foi ontem que ela chegou aqui no Rio para cuidar de mim, deixou toda sua vida para trás e veio para perto de mim. Chegou no início do tratamento e foi minha companheira até sexta-feira, quando ela e meu cunhado partiram de volta para a Austrália. Desta vez aprendi que amor de irmão não tem barreiras e que o conforto de tê-la ao meu lado já foi o suficiente para encher o meu espírito de alegria.

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Temos nossas semelhanças e nossas diferenças e outra coisa que ela me fez perceber é que foram nas nossas diferenças que a gente mais marcou a vida um do outro. Foi quando, mesmo sem querer admitir, porque com ela eu sou teimoso, ela me mostrou um novo caminho, uma nova forma de pensar. Nas diferenças conseguimos genuinamente viver a experiência do outro e tirar os aprendizados, mesmo sem ter feito tantos intercâmbios ou sem ter entrado de corpo e alma no mundo corporativo. Nas semelhanças geralmente apenas encontramos o reforço de alguns defeitos, que a gente chama de “defeitos de família” e assim alivia o peso da nossa responsabilidade sobre eles.

Que não faltem oportunidades para você abrir meus olhos, para a gente discordar, para eu fingir que eu não te ouço, mas para no final ficar pensando no que você me disse.

Agora estamos longe, mas que cada um siga seu caminho com mais um pouco do outro dentro de si.

O tempo das coisas

No começo ficava preocupado com o tempo que o tratamento duraria. Queria saber as datas específicas de começo e fim, queria planejar a minha volta para o trabalho, para academia, as viagens que deixei para trás, enfim queria acelerar ao máximo o tratamento. Lembro que entre o primeiro e o segundo ciclo, meu sistema imunológico se recuperou tão bem que consegui adiantar a próxima quimio em três dias. E isso foi fundamental para salvar meu réveillon, ao invés de passar internado no hospital, dia 31 de dezembro tive alta para ver os fogos em casa com a minha família. Porém, também lembro que na minha cabeça aqueles três dias tiveram outro significado. Pensei: se eu adiantar três dias cada ciclo, sendo 8 ciclos (7 intervalos) eu ganharia 21 dias, ou seja, poderia encerrar o tratamento 21 dias antes. Naquele momento, tracei esse objetivo, acelerar o máximo que eu pudesse e o médico permitisse, tentando ganhar ao menos 1 dia em cada intervalo.

Impressionante como em pouco tempo muita coisa muda. Estou esperando para começar o quarto ciclo e este ciclo parece que está “amarrado” hehehe, primeiro tive que adiar uma semana o início dele, pois um dos remédios da quimio atacou o fígado, precisava me recuperar antes de iniciar o novo ciclo. Depois faltando cinco dias para voltar para a quimio, tive febre. Comecei a sentir frio, medi a temperatura e estava com 38 graus. Fui para o hospital, fiz mil exames, nenhuma infecção foi descoberta, depois de um antibiótico na veia e dipirona a febre baixou e pude voltar para casa. Junto comigo veio a prescrição de uma semana de antibiótico, ou seja, terei que esperar mais três dias (além da uma semana que já estava na conta) para começar o quarto ciclo.

Como eu falei as coisas mudam, e a gente muda junto… Mesmo antes da primeira postergação do início do ciclo, minha preocupação já não era mais acelerar o tratamento. Comecei a pensar se ia dar tempo de fazer todos os cursos que eu havia planejado, ler todos os livros, mas principalmente, se ia dar tempo de eu passar pelo processo de auto-conhecimento e poder sair uma pessoa melhor de tudo isso. Se eu vou ter tempo de trilhar o caminho da descoberta de quem eu sou, de quem eu quero ser e conseguir caminhar em direção à esta mudança.

Entretanto, uma coisa eu já aprendi também, o tratamento vai durar o tempo que tem que durar. E não cabe a mim decidir, cabea mim fazer o melhor com isso.

O período de maior ganho em conhecimento e experiência é o período mais difícil da vida de alguém.” – Dalai Lama

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Tratamento… várias dúvidas, algumas certezas e nenhuma angústia

Momento de intervalo de quimioterapia, entre o terceiro e quarto ciclo. Quase metade do tratamento chegando, ainda está longe do fim, mas mais perto do que quando comecei 🙂

Havia imaginado algumas coisas sobre o tratamento, algumas acertei, outras certezas tive que desconstruir. Dos três ciclos tive pouquíssimos efeitos colaterais, o máximo que tive foram alguns dias de enjoo, onde não sentia vontade de comer algumas coisas, mas sempre encontrava algo para comer. Fome nunca me faltou e a preocupação com a perda de peso parece não se concretizar.

Todas as quimioterapias que faço são internadas no hospital, duram de 4 a 5 dias com remédio correndo 24 horas por dia. O protocolo é o HYPER-CVAD, é um tratamento agressivo, assim como o câncer que estou tratando. Entre um ciclo e outro tenho mais ou menos 15 dias de “descanso” em casa. Esse período é necessário para eu recuperar a imunidade e preparar meu corpo para a próxima quimio. Neste período, tomo injeções diárias de granulokine, para recuperar o sistema imunológico e acompanho meu hemograma duas vezes por semana para ver se tem alguma alteração muito forte.

No segundo intervalo tive que fazer transplante de plaquetas, pois elas estavam muito baixas e tive sangramento na boca. Fui para a Emergência do hospital, espera, faz a transfusão em 40 minutos e casa de novo, problema resolvido. Neste último intervalo estava me sentindo mais cansado, descobri que minha hemoglobina baixou muito e isso provocou anemia, sim estou recuperando as aulas de biologia para entender tudo isso. No limite que eu estou não tem muito o que fazer, só descansar. Então lá fui eu para o sofá ler e ver Netflix, sorte que não faltam nem livros bons e nem séries para se viciar. Se a hemoglobina baixar mais precisarei de transfusão, mas já sei o caminho, está tranquilo.

Cada ciclo tem sido diferente, e minha preocupação no início do tratamento era saber exatamente como seriam as minhas reações, efeitos colaterais, se sofreria com efeito acumulativo e pioraria com o tempo. Mas o médico nunca me dava uma resposta taxativa. Para alguém com formação em engenharia eu queria algo mais exato. Se eu sei o in put, o processo é igual, devo saber qual o out put. E neste ponto meu raciocínio falhou, não controlamos o processo. Controlar as drogas que vão ser ministradas não garante a resposta que meu corpo vai ter em cada momento.

Pelo menos uma coisa eu já venci: Pensei que ficaria me sentindo mal por ter anemia, por precisar de transfusão, mas qual a minha culpa nesta história? Sigo todos os cuidados, que incluem o uso de máscara no período de imunidade baixa, então é aceitar que é parte do processo, ponto. Aliás, falando em máscara, é impressionante o quanto as pessoas olham, algumas olham tanto que eu chego a cumprimentar, sou péssimo de fisionomia, “devo conhecer e não lembro”, penso hahaha, você se sente o Michael Jackson tanto pelo estilo, quanto pela atenção que recebe. E descobri que no laboratório sou considerado Urgência, o que significa que no papel-tesoura-pedra da fila da vida eu ganho até de Prioridade, por não poder ficar em ambiente fechado em contato com pessoas. Vantagens que aparecem no caminho hehehe

 

Outro efeito colateral da quimio é a famosa queda de cabelo, parece que a sobrancelha vai também, barba nunca tive, então o resto dos pelos também façam o favor de cair também, não vou me apegar aos pelos da perna hehehe E se um dia acordar me achando feio por estar careca, tenho o antidoto ideal, uma foto da adolescência. CRUZ CREDO NOSSA SENHORA! Aparelho, óculos e espinha, com a moda do início dos anos 90. Ugly Betty é uma boa referência. Se a adolescência passou, essa fase também passará, e depois recupero o cabelo, a academia, o bronze e todas as preocupações que cada vez mais me parecem menores e distantes da minha lista de prioridades. Sim, aos poucos tudo vai ganhando novos significados…

Tempo

Já se passaram praticamente 2 meses desde o diagnóstico do linfoma, de lá para cá muita coisa aconteceu, busca por médicos, mil exames, 25 dias internado, inclusive no Natal, mais 16 dias em casa, incluindo o Réveillon J , 2 ciclos de quimioterapia e 2 transfusões de plaqueta.

Aprendi muita coisa, venci alguns medos, como o medo da transfusão, por exemplo, sei lá porque na minha cabeça era algo muito maior do que foi, pode ter sido inexperiência mesmo. Aprendi a valorizar as pequenas coisas, a me sentir grato por pequenos acontecimentos e vitórias, aprendi que agora é o momento que tenho para me dedicar à minha cura, o resto é secundário e o mais importante, aprendi o poder que temos para trazer alegria para outras pessoas, seja pela nossa presença, seja por palavras vindas de longe.

Entretanto, uma coisa eu ainda não aprendi, a minha relação com o tempo continua muito exatamente com o que era antes.

Para você entender, a minha relação com o tempo é muito parecida com a relação que eu tinha com o Sol quando morava em Curitiba, para quem não conhece a cidade, lá o Sol aparecer é um acontecimento. Sempre disse que o slogan de Curitiba deveria ser “a cidade onde o verão passa reto”  hehe, enfim, cada vez que saia o sol no final de semana eu acordava desesperado para sair, correr, beber algo, aproveitar ao máximo. Com o tempo é a mesma coisa, quando tenho, fico ansioso para ser o mais produtivo possível.

Tenho uma crença muito forte de que o tempo não pode ser desperdiçado. O que você faz com o seu tempo é muito importante, pois com certeza você deixou de fazer algo por ter feito aquilo. Com o tempo toda escolha é uma renúncia. Por isso sempre cuidei para aproveitá-lo ao máximo.

Além disso, depois de anos acostumado a trabalhar das 9-10 hs até as 19-20 hs de segunda a sexta, você vira refém do horário comercial. Chega a ser engraçado, meus únicos compromissos são o meu médico e meus exames e mesmo assim sigo a minha vida com as regras da vida de um trabalhador. Acordo e já faço a lista de coisas que tenho que fazer para que aquele dia seja produtivo, “trabalho” até de tarde e de noite fico relaxando, afinal, acabou o expediente.

Acho ótimo ser organizado e focado, pois aproveito ao máximo o meu tempo, mas porque respeitar os dias úteis e o horário comercial? Porque tenho que continuar na rotina de trabalho, sem estar no trabalho. Claro que incluo alguns momentos de relaxamento no meio, Netflix e exercícios físicos, mas sempre com a preocupação de voltar o quanto antes ou a culpa de ter demorado demais.

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Esse será um desafio, organizar a minha vida e as minhas atividades de uma maneira produtiva, mas da minha maneira, não de como fui acostumado pelas regras da sociedade, repensar o tempo, ser mais flexível.  A minha ansiedade em aproveitar o Sol, só foi curada quando vim morar no Rio de Janeiro, onde o sol reina soberano quase todos os dias. Talvez o tratamento do câncer seja o meu Rio, mas ao invés de tirar minha ansiedade para aproveitar o Sol, vai melhorar minha relação com o tempo, afinal agora tenho de sobra.

“Não tenhamos pressa, mas não percamos tempo” – José Saramago

Enfim, casa…

Ir para casa tem um significado especial depois de passar 25 dias internado no hospital. O hospital foi super confortável, quarto com frigobar pra eu armazenar comida contrabandeada, sofá para acompanhante dormir, que ninguém reclamou, poltrona e mesa que eu chamei de escritório, televisão com Net, mesmo com telecine, liguei três vezes, realmente passei para a geração “on demand”. Recebi várias visitas queridas e sempre estava acompanhando. E também consegui manter parte da minha dieta.

Sim, quando a nutricionista foi me ver pela primeira vez ela deve ter pensado “Isso é uma cilada”. Lembro como se fosse hoje, quando ela entrou no quarto, na hora resgatei do MBA a parte de técnicas de negociação, meu objetivo era sair dali com o máximo de calorias na minha dieta e mantendo a minha alimentação saudável. Consegui! Seis refeições todas com arroz e pão integral, sem açúcar e zero gordura, além de suplementação. Posso estar doente, mas esta parte mudei muito pouco hehe.

Entretanto, a rotina do hospital é um saco!  Imagina durante todo esse período eu fiquei conectado a um suporte que prendia a medicação. Apelidei o suporte de “meu cajado”, achei bem mais apropriado que o nome original. Esse suporte tinha uma bomba, que ficava ligada à tomada, em resumo, minha mobilidade era a de um celular sem bateria hehehe cada vez que eu queria mudar de lugar, ou seja, de tomada, tinha que desconectar, ai a bomba apita pra avisar que esta na bateria, você desliga o sinal e carrega o negocio junto com você e conecta em outra tomada. Agora imagina isso de noite, no escuro, 5 x,  sim porque eu estava tomando diurético. INFERNO!

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Eu e meu cajado 

Aliás, sobre dormir, ou não dormir, cada vez que pensei em dormir cedo me senti muito inocente, a rotina do hospital te ensina a dormir em doses homeopáticas. “Vou dormir as 22 hs” (aham!), 23 hs apita a bomba porque acabou o soro, ai você chama o enfermeiro através de um botão, sabendo que nos próximos 5 min alguém vai entrar no quarto pra mexer no meu cajado, 1 h da manha vem a enfermeira (tadinha usa a luz do corredor pra tentar não te acordar) mas ela ainda tem que dizer a medicação:  “vou botar o zovirax, digesan e decadron” aí você pensa: nem acordado sei o que é isso, essa hora se quiser me envenenar eu vou dizer amém. Vou dormir! 5:30  “Bom dia seu Felipe, vim colher o seu sangue”, AH NÃO, SÉRIO? de madrugada a pessoa que vai atrás de sangue é vampiro, só pode! E como toda vez era uma pessoa diferente, toda vez eu ouvia o mesmo elogio: “humm que veia boa você tem” é a decadência, já ouvi elogio do cabelo, do sorriso, já ouvi que estava forte, agora só sobrou a veia pra elogiar moça? Me ajuda na autoestima por favor, olha a hora! Vou dormir! 6:00 a menina da limpeza entra pra recolher o lixo, com ela já nem acordo. 6:30 enfermeira, mais medicação de nome estranho, medir seus sinais vitais, pressão, batimento e temperatura, tudo deitado, estou de boa, até que ela precisa te pesar, isso significa levantar e andar no corredor iluminado do hospital até a balança, e não esqueçam carregando o meu cajado! Essa hora penso, ainda bem que estou careca, imagina meu cabelo recém acordado pra sair do quarto e andar pelo hospital, menos uma preocupação. Quando a enfermeira te deixa no quarto ela ainda fala, agora vou deixar você dormir. Moça, sono não é um negócio que eu tomo e vem, sono é chave em bolsa de mulher, você nunca acha e quanto mais procura mais irritado fica. Já acordei! Desisto! Aliás, estou tão acordado que este texto foi produzido as 6:41 enquanto eu ainda estava no hospital!

Primeira noite em casa dormi até as 10 hs, me senti vingado 🙂

Outras internações virão, mais exames, sangue, talvez até transfusão de sangue, mas que eu sempre possa achar graça e manter o bom humor sempre.

 “Humor não é um estado de espírito, mas uma visão de mundo”. – Ludwig Wittgenstein

A Felicidade é um Caminho que Você Escolhe Percorrer

Hoje começo o segundo ciclo da quimioterapia, mais uma etapa de um tratamento de oito ciclos no total. Tenho medo das incertezas que esta nova etapa traz, as drogas usadas agora são diferentes das usadas na primeira parte do processo, mas não posso deixar de pensar o quão grato sou por ter passado pelo primeiro ciclo praticamente ileso. Quase não senti efeitos colaterais e passei um período que quase posso chamar de férias, não fossem todas as atividades que eu mesmo arranjei para eu fazer, sempre preocupado em ser o mais produtivo possível, ou seja, nada de férias hehehe

Gratidão é um sentimento no qual eu tenho pensado com certa frequência. Fui surpreendido pelo número de mensagens que falavam da minha postura frente à doença. Óbvio, apesar de ser um câncer, algo que choca, por ser um linfoma, as taxas de cura e a chance de retomar a vida exatamente como ela era são enormes. Por isso a minha maior preocupação foi lidar com o período do tratamento. E é nesse ponto que eu me agarrei ainda mais às coisas boas, coisas que me tranquilizaram e deixaram seguro. Escolhi olhar para o lado bom dessa história. Estou rodeado por uma equipe de médicos na qual confio, enfermeiros e técnicos super atenciosos e um hospital extremamente confortável.  Tratamento checked! E o apoio durante este processo? Tenho um marido extremamente dedicado e atencioso, que não quer arredar o pé do hospital, que com horário flexível de trabalho consegue passar muito tempo comigo, e ainda ficou careca só para me deixar mais confortável com a minha queda de cabelo. Conto com uma irmã que, por estar de mudança de Melbourne para Sidney, resolveu atrasar seus planos de volta a sua cidade e passar 3 meses aqui, para cuidar de mim e passar meu aniversario comigo, e minha mãe claro, extremamente dedicada, que pagou excesso de bagagem só para trazer comida de Porto Alegre (ela trouxe uma abóbora ahahhah), além, é claro e uma quantidade infinita de amigos que sempre mandam mensagens carinhosas e se preocupam comigo e  me colocam para cima…. Além disso, recebi a notícia de que passarei o réveillon em casa J . Não tenho motivos mais do que suficientes para poder ver o lado bom desta história?

Minha irmã me deu um livro, no qual você deve escrever 3 coisas pelas quais vocês é grato naquele dia. Este é um exercício que completo com tranquilidade, sempre fui de olhar para o lado positivo das coisas e neste momento as pequenas coisas boas ganham ainda mais peso e se tornam ainda mais evidentes.

Não tenho paciência pra lamentação. Lamentar é diferente de reclamar. Lamentar é reclamar sem agir, é se tornar refém dos problemas e não focar na solução. A inércia da lamentação torna o problema uma âncora, não permitindo a pessoa sair daquela situação e nem ter outras perspectivas. A vida é feitas de coisas boas e ruins e assim ela se equilibra. Passando pelos momentos ruins valorizamos ainda mais os bons. Nada é perfeito, preferia não ter câncer, mas reclamo daquilo que posso mudar! De resto, foco no lado bom para ajudar a atravessar as fases ruins.

Acredito tanto nisso que há dois anos atrás tatuei no meio peito: “A felicidade é um caminho que você escolhe percorrer”.

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Aceitar é um processo de criar expectativas e desconstruí-las

Antes mesmo da confirmação do linfoma, eu já comecei a passar pelo processo de aceitação, comecei a me acostumar com a ideia aos poucos. Quando o diagnóstico chegou, confirmando todas as suspeitas, já não tive um susto, já estava preparado. Entretanto, não estava preparado para o tratamento. Na minha cabeça otimista, o tratamento da quimio seria feito em uma sexta, eu iria descansar sábado e domingo, e segunda já estaria de volta na academia e no trabalho. Sim, uma completa ilusão para o meu caso, mas que me permitiu processar as informações aos poucos.

Quando tive o diagnóstico completo, incluindo o subtipo (linfoma não-hodkings de burkitt), entendi que o processo não seria tão simples e fácil quanto eu imaginava. Demandaria bem mais de mim do que eu no início planejei. Serão 4 dias internado no hospital e 15 dias de repouso em casa, ainda tentei negociar com o médico o termo “casa”, isso poderia incluir academia e trabalho? Obviamente não. Ok, informação processada, foco 100% no tratamento, aceitei que serão 5 meses diferentes, sem a mesma rotina de sempre. Mas comecei a perceber que uma palavra surgiu no meio de tudo isso, e por mais estranho que seja, estou encarando este tempo como uma oportunidade. Oportunidade de fazer tudo que eu já deveria ter feito, de me dedicar a alguns cursos on-line, estudar línguas, fazer meu imposto de renda no início do ano hehehe, ler todos os livros que tenho empilhados ao lado da minha cama. Enfim, tudo que me faltava tempo para fazer agora virou uma lista de pequenos projetos a cumprir. E com certeza isso ajuda, dar um rumo, uma motivação para o dia-a-dia, a sensação de produzir me faz bem. Inclusive escrever sobre isto é uma forma também de me sentir vivenciando ainda mais esta experiência.

A própria internação foi outro momento de desapego, dia 5 de dezembro fui na médica com a expectativa de me internar apenas na semana seguinte, ter uma semana para preparar tudo, fazer reuniões, me despedir, resolver pendências, mas não tive este tempo. No dia seguinte já estava internado. E ao me internar outra surpresa, o primeiro período de intervalo (15 dias entre um ciclo de quimio e outro) seriam passados no hospital, isso inclui Natal e Réveillon. Mais uma vez, pega as expectativas, desconstrói e pensa: “que bom estarei sendo bem cuidado, bem acompanhado e em um hospital ótimo, onde posso contar com as visitas dos meus amigos, a companhia do meu marido, irmã e mãe”. Pronto, passou! Nova realidade aceita e sem apego.

E isto tem sido um grande aprendizado para mim, sempre fui uma pessoa de criar muitas expectativas, de não aceitar bem as vulnerabilidades da vida e ter tudo muito bem planejado. Mas como diria Woody Allen: “Quer fazer Deus rir? Então conte seus planos a Ele”.

Espere o melhor, prepare-se para o pior e aceite o que vier – Provérbio Chinês

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Como descobri o Linfoma?

Tudo começou no início de outubro de 2016, quando eu comecei a sentir uma inflamação leve no pescoço. Achei que iria ficar gripado e por isso aquela “íngua”, a gripe não veio e a inflamação não passou. Fui no médico por volta de 20 de outubro. Fui diagnosticado com cálculo na glândula, provavelmente por ter uma dieta hiperproteica a minha saliva cristalizou e entupiu o canal. Podia até fazer sentindo, mas que necessidade que o povo tem de acabar com a minha dieta hahaha. Cirurgia marcada para o dia 30 de novembro, ia perder a glândula, mas ainda ia salivar, vida normal. 

No dia 16 de novembro não deu mais. Minha inflamação cresceu tanto que eu estava a cara enorme, com mais 15 dias eu faria o remake de American Horror Story, sim porque estava nascendo outra cabeça no meu pescoço. 

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Fui internado para tirar o que seria um linfonodo reacional (segundo diagnóstico). Uma semana de antibiótico e eu finalmente fui ser operado. Ao sair da cirurgia veio a notícia: a médica não tirou a inflamação, poderia ser um linfoma e o diagnóstico da biopsia poderia demorar 3 semanas. Oi!?!? Olhei para a cara dela, tentei processar a informação e ver se tinha algo de bom pra me agarrar, não tinha e a expectativa que eu tinha de ter resolvido o problema virou angustia de incerteza. Juntei os cacos, usei toda a força que meu marido me deu e passei dois dias quieto, totalmente off line. A incerteza do diagnóstico foi com certeza a pior parte deste processo. 

Acelerei minha alta para poder consultar mais médicos, mesmo sem o resultado da biopsia, juntei tudo (tinha tanto exame que era minha vida toda resumida em indicadores, contagens de enzimas, imagens) e fui para oncologista e hematologista (que descobri depois é quem trata câncer do sistema linfático). “Mas você já tem um câncer antes de saber que tem?” (Sim, ouvi isso) mas o fato de ir nos médicos, fazer mais exames me deu a sensação de que eu estava me cuidando, fazendo algo por mim. 

Três dias depois da biopsia recebi a confirmação de que era linfoma não-Hodgkin. Já estava tão acostumado com a ideia que nem bateu desespero. Só tive certeza de que o caminho estava se definindo, que a minha única escolha seria como eu iria percorrê-lo. Sou um otimista e cada vez ouço mais histórias de gente que fala o quanto o estado de espírito ajuda. Sinto pelas mensagens que recebi, todo o carinho e energia positiva que estou recebendo e guardando dentro de mim que, mesmo sem ter começado o tratamento, já comecei a minha cura. 

Câncer!

Descobri recentemente que estou com Câncer no Sistema Linfático. Palavra pesada, mas nada que eu não esteja pronto pra encarar. Este é o começo de uma caminhada que eu não tenho certeza do percurso, mas sei bem o destino final.

Já que não tenho escolha de passar por isso ou não, tentarei aproveitar este processo para me conhecer melhor, são momentos como estes que forçam ainda mais o amadurecimento e a busca por algumas respostas de perguntas que você nem sabia que tinha.

Parece difícil usar a palavra oportunidade para este momento, mas é assim que estou encarando. Uma oportunidade de descobertas, de possibilidade de repensar algumas coisas e até  de tempo para desenvolver novas habilidades, sim já estou com vários cursos on-line programados e livros para ler. Se tempo era o que me faltava antes, agora não faltará.

Meu otimismo será posto à prova, mas tenho certeza o que me define é muito mais o meu sorriso do que meu cabelo.
Força e energia positiva sempre!

“When something bad happens you have three choices. You can either let it define you. Let it destroy you. Or you can let it strengthen you”

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