Um ano atrás…

Quem olha pra mim hoje nem consegue imaginar onde eu estava há um ano atrás. Há exatamente um ano eu estava começando a quimioterapia, dezembro do ano passado eu fiquei 25 dias internado. Meu Natal foi no hospital mesmo, consegui escapar no dia 31 de dezembro às 15 horas para poder virar o ano em casa. Hoje estou há 7 dias em um cruzeiro no Caribe. Um ano depois e eu estou curtindo intensamente uma praia nova a cada dia e pensar que passei 9 meses longe do sol, porque a quimioterapia poderia manchar a pele.
É muito fácil deixar a vida andar e quase esquecer o que passou. Porém, relembrar é muito bom. Olhar pra trás e perceber onde eu estava há um ano me faz valorizar muito cada momento vivido hoje. Chorei algumas vezes nesta viagem, chorei ao ver o céu lindamente alaranjado depois do por do sol no meio do oceano e lembrar que há um ano a minha vista era uma janela para um poço de luz, em que eu nem conseguia saber se chovia ou fazia sol. Chorei ao tomar banho e perceber que ao sair dali eu iria estar em um quarto maravilhoso e logo em seguida estaria indo conhecer uma praia incrível, ao contrário da falta de liberdade que o hospital me proporcionava. Chorei porque acordei, firme, forte, disposto e cheio de energia, com uma vontade absurda de viver a vida. Com certeza chorei nesta viagem, mais do que o tratamento todo, mas chorei de alegria. É tanto amor e felicidade que transbordam em forma de lágrimas.
Aceitei que o período de tratamento foi  necessário, que com muita força de vontade pude transformar em um dos momentos mais iluminados da minha vida. Apesar de preferir a praia do Caribe ao hospital, nunca desejei não ter passado pelo câncer, afinal desejar não ter vivido o que eu vivi seria negar a pessoa que sou hoje. Aprendi a respeitar a impermanência da vida. Sem poder controlar o que vem, só desejo que eu sempre possa crescer e encarar tudo como uma oportunidade.
Outro aprendizado muito importante de tudo que passei foi a certeza que o futuro eu não controlo. Não sei onde eu estarei no ano que vem. E sabendo que o futuro nunca chega, vivo intensamente o presente. Estou presente e consciente de que esse é o momento que tem que ser vivido.

post antes e depois

 

Sentidos da vida

Várias pessoas me perguntaram se eu estava ansioso para voltar ao trabalho depois de tanto tempo afastado para o tratamento do câncer. Minha resposta para algumas delas foi: “Empolgado eu estava para voltar à academia, não ao trabalho”. Apesar de entender o significado que era retomar o trabalho como mais um sinal de que estava no caminho da cura eu não via ele como o marco mais importante ou empolgante. Demorei uns dias para entender, que não é por não gostar do meu trabalho, aliás pelo contrário. Foi muito bom retomar minhas atividades, reencontrar um número enorme de pessoas queridas, estar envolvidos em decisões importantes da empresa, gosto muito do que faço, mas entendi que o problema era o tempo envolvido nisso.

Durante todo o tratamento me senti super produtivo. Fui atrás de coisas que me preenchessem e me realizassem. Li inúmeros livros, fiz diversos cursos on-line, me dediquei a algumas atividades do meu hostel, me descobri escrevendo e abri a minha mente para assuntos que eu nunca tinha parado para pensar, como meditação e mindfulness. Tive tempo para pensar na minha vida, refletir sobre decisões e viver o presente. Quando voltei ao trabalho não parei de me questionar onde estava aquele tempo que eu tinha para poder desenvolver pensamentos diferentes, para conseguir avaliar o que estava acontecendo.

Agora quando eu acordo já está tudo definido, uma rotina seguida de atividades que não deixam muito espaço para pensar, a rotina já está decidida. Se eu para pensar eu já estarei atrasado para alguma coisa. E quando sobra um pouquinho de tempo no final do dia, falta energia, é uma vontade enorme de se desconectar.  Se desconectar é relaxante, mas tem um preço caro, perdermos a conexão com nós mesmos.

O problema do trabalho é que ele exige um relacionamento baseado na exclusividade, o seu tempo é dedicado a ele. Você passa muito mais tempo no trabalho do que convivendo com a pessoa que você prometeu passar o resto da vida junto. E olha que para achar essa pessoa não foi fácil, deu muito trabalho, demandou muita energia e esforço de negociação e comprometimento dos dois para tornar aquela relação boa para ambos, e tomara que seja pro resto da vida porque assim velhinhos vocês poderão ficar juntos, ou nas férias se conseguirmos tirar no mesmo período. Mas a convivência com a família é só mais um dos pontos que me dei conta que perdem espaço nesta minha nova rotina, e na rotina de todo mundo.

O problema é que à medida que o tempo dedicado à vida corporativa passa a ser tão grande a expectativa de retorno é imensa. Acabamos projetando na vida profissional todas as realizações que poderiam ser supridas por outras coisas, mas que não temos tempo e energia para focar.

Voltei achando que ia ser diferente, mas a diferença foi a minha necessidade de não entrar no ciclo de novo, de manter uma visão crítica permanente sobre a minha vida. Muitas pessoas falam que a gente acostuma com o tempo, todos nós nos acostumamos, mas eu não quero perder essa inquietação.  Não sei se acharei uma resposta para estas dúvidas ou um caminho diferente, mas só de me questionar e não aceitar as coisas porque são assim já acho que valeu o aprendizado.

A questão não é qual o sentindo da vida, mas quantos sentidos você dará a sua vida”  – Nietzsche

PS: a foto deste post foi tirada as 17:40 de dentro do escritório. Este lindo pôr do sol (que a foto não consegue representar) gerou uma confusão no trabalho, uma quantidade enorme de pessoas indo para a janela apreciar por dois minutos uma coisa que perdemos todo dia.

 

You make me happy when skies are grey

Hoje é o aniversário de uma pessoa muito especial, meu marido. E para ele todo meu agradecimento e amor…

Quando tudo começou ninguém fazia ideia do que estava por vir. Não sabíamos direito o que esperar, construímos e desconstruímos expectativas e fomos aprendendo as regras do jogo enquanto a bola rolava. Não foi fácil, mas foi bem mais fácil por ter você ao meu lado.

Sua capacidade de se doar, de pensar em mim primeiro. Sua força de segurar a barra por nós dois, de manter a cabeça erguida junto comigo e manter a energia sempre positiva para que eu continuasse podendo sorrir. E quando não deu para segurar o choro, você saiu do quarto, viveu seu momento de dor e voltou pronto para olhar só para mim. Você se desdobrou, mesmo tendo que trabalhar e cuidar da casa, você não saiu do meu lado. Lembro sempre das suas caras quando eu dizia para você ir para a casa que a minha irmã ou mãe iriam dormir comigo, você sentia que seu posto estava sendo tomado, até sua cara de contrariado eu achava lindo, afinal era a demonstração clara de que você não achava que aquele tarefa deveria ser delegada para outra pessoa que não fosse você. Afinal você queria estar comigo para qualquer coisa que eu precisasse.

Na minha visão pragmática das coisas, sempre acreditei que nada pode desenvolver mais a gente do que a convivência e a cumplicidade com outra pessoa. Mas muito além disso, percebi que um relacionamento é para tornar a vida mais leve. Com você ao meu lado pude ter a força de enfrentar tudo de peito aberto e ao mesmo tempo pude viver a dor das incertezas que enfrentava, sabia que você sempre estaria pronto para me ajudar a voltar ao caminho certo, a me sentir melhor.

Aprendi a ver o amor e o carinho de cada gesto. Cada mensagem preocupado, cada pão de queijo que você comprava no bar do hospital para eu poder comer algo, cada febre que a gente acompanhava junto até chegar a hora de ir para o hospital, cada vez que você acrescentava ao boa noite a frase “me acorda por qualquer coisa, nem que seja para me dizer que me ama” e agora na sua felicidade de ver o meu cabelo crescer. Eu tenho certeza que não poderia ser mais amado do que sou por você.

Amor, hoje é seu aniversário e eu não poderia deixar de agradecer e de mostrar para o mundo a sorte que eu tenho de ter ao meu lado. Tenho certeza que eu não poderia ter escolhido melhor companhia para enfrentar todas as dificuldades da vida, para crescer junto comigo e para dividir um projeto de vida. Sei que não precisamos de mais provas para comprovar isso, mas a vida com certeza vai dar mais algumas e estaremos prontos para enfrentar tudo que vier, sempre juntos. Você não imagina o quanto sou feliz por ter encontrado alguém que me ensina, me apoia e deixa tudo mais leve quanto você.  Te amo muito!

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Vivendo antes da linha de chegada

Estou em uma fase estranha do tratamento. Ainda estou fazendo exames de sangue semanais para acompanhar a imunidade e as plaquetas, mas já não tenho mais quimioterapias para fazer. Ainda tenho que tenho que tomar injeções de granulokine, mas já estou liberado para comer sushi e já estou voltando a malhar.

O último ciclo aconteceu sem eu perceber, quer dizer, eu percebi, mas não sabendo que era o último eu não me despedi do tratamento. Aguardei por muito tempo o oitavo e último ciclo, preparei faixas, bolo e quase mandei fazer uma camiseta. Realmente era um momento para ser comemorado com cara e felicidade de festa de aniversário, talvez um dos aniversários mais importantes. Mas não foi assim que aconteceu. Esperei, esperei e esperei mais ainda, mas minha medula nunca se recuperou o suficiente para começar o último ciclo. Já se passaram dois meses que eu encerrei a sétima quimio e meu corpo ainda não estaria pronto para fazer a oitava. Entretanto e por isso mesmo, ela foi descartada e o tratamento interrompido. Ao invés da última internação no hospital e de cinco dias intensos de remédio eu apenas recebi uma ligação do médico dizendo que tudo tinha acabado ali.

Como nada escapa sem emoção, eu vivi a dúvida de ter leucemia. Foram duas semanas onde o fantasma de começar tudo de novo rondava minha cabeça. Por mais que eu tivesse a calma e a positividade de acreditar que não seria nada disso, ter essa possibilidade rondando não era algo muito fácil de lidar. Não foi a toa que meu alívio de saber que minha medula estava apenas preguiçosa foi uma das coisas mais intensas que senti.

Passado este susto eu estou voltando a minha rotina, encontrando meus amigos, vendo muita gente, comendo muitas coisas que não podia, voltando à academia, já voltei ao trabalho, mas comecei pelas férias hehe. Aos poucos vou retomando a vida normal, mas ainda tenho o exame final do PET Scan para fazer. Esse é o exame que define o final desta fase. Ele é o certificado ou a medalha de fim da prova. Por isso, apesar de estar retomando tudo ao normal, ainda não cruzei essa linha de chegada.

Poderia estar esperando por este momento com ansiedade, mas a experiência do tratamento me ensinou a viver o momento. Estar consciente no presente, viver as alegrias de agora, que já são muitas. Então ainda não tenho aquele tão esperado momento de felicidade sublime e pico de emoção, mas tenho vários pequenos momentos de conquistas e novidades que aos poucos vão formando meu caminho de volta à minha vida normal. E se a vida não é sempre assim… esperamos por aquele pico de felicidade, aquelas férias, aquela festa, aquele final de semana, sempre projetando para o futuro, achando que ele vai encher a gente de alegria e plenitude, quando na verdade é a construção do caminho que te levou até lá que torna a vida mais completa.

Aprendi a viver com plenitude e consciência todos os momentos, prestando atenção e olhando para o presente!

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Esperando o último ciclo

Já havia acabado o ciclo de antibiótico, já não havia o mínimo sinal de febre, já tinha preparado as placas comemorativas do último ciclo de quimio e já estava com o bolo para comemorar o fim do tratamento. Só não tinha as taxas de plaquetas adequadas para iniciar a última fase.

Desde segunda-feira eu estava pronto para iniciar o tratamento, só faltava as plaquetas chegarem a 100 mil. Com a ansiedade de acabar logo com tudo decidi esperar as plaquetas subirem internado no hospital. Já estando lá quando as plaquetas atingissem o nível adequado eu poderia começar a quimioterapia no mesmo dia. Mas expectativa e realidade não caminham juntas. Na segunda eu estava com 38 mil plaquetas, na terça 42 mil, na quarta deu um salto para 78 mil, já imaginei que quinta eu iria iniciar, mas o resultado foi de 81 mil. Por mais que subisse pouco, quando chegasse a 90 mil eu tentaria negociar com médico o início do tratamento, mas o resultado de sexta foi um soco no estômago, ao invés de subir, mesmo que pouco, o número baixou. Eu estava com 72 mil plaquetas.

Depois de 13 dias internado, sendo que destes 5 só esperando começar o último ciclo, decidi que era hora de ir para casa e esperar por lá mesmo. Assim diminuiria um provável fator desta demora, a minha ansiedade. Fazer exames diariamente, para acordar esperando o resultado, na expectativa de começar logo o tratamento estava me gerando uma ansiedade, expectativa, seguida de uma frustração. Ir para a casa era a única coisa que eu poderia mudar neste cenário, e sabendo que ajudaria a tornar a espera bem mais fácil, não tive dúvida que era o melhor a fazer.

Quanto mais próximo do final mais cansado a gente vai ficando. O efeito acumulativo da quimioterapia torna a recuperação da medula mais lenta e o efeito acumulativo de passar vários dias no hospital diminuem a nossa resistência para aguentar novas internações.

Além disso, a proximidade do final aumenta a ansiedade. Se no início você está tão longe deste momento que você se preocupa em como vai ocupar tanto tempo, no final falta tão pouco que esta preocupação não existe mais. Eu estava mais preocupado com o pós-último ciclo, o que eu iria fazer, que data eu iria voltar a trabalhar, quando poderia comer sushi de novo e aproveitar uma praia.

Para alguém também programado, fã de um cronograma (sim, tentei montar um calendário pós-ultimo ciclo, mas tive que desistir, afinal não sei nenhuma data ao certo) é hora de aprender a viver mais o momento, de botar a energia no agora e de aprender que vale a pena planejar os próximos passos, mas que eles acontecerão na hora que tem que acontecer, e por mais que eu me esforce para fazer acontecer, as vezes nem tudo está nas minhas mãos.

 

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Quase na reta final

Sétimo ciclo encerrado! Mais um/ menos um! Agora tenho a sensação de reta final, de que falta pouco, afinal mais uma quimioterapia e deve estar tudo acabado. Apesar de faltar pouco, ainda terei uma preparação antes de voltar à vida normal. São 16 dias de recuperação até o último ciclo, depois mais 30 dias para poder me recuperar, fazer os exames e esperar os resultados. E só depois do PET (exame de imagem com material radioativo) eu saberei de fato se estou curado.

A expectativa é obviamente grande, não consigo imaginar outro resultado que não seja a cura total. E se foi esse o pensamento positivo que me trouxe até aqui, será ele que me guiará até o final.

Nesta fase não posso arriscar nenhuma intercorrência. E terei que viver um pouco mais restrito em termos de visitas e qualquer outra saída de casa, que já eram esparsas. Sempre procurei o balanço ideal entre a saúde física e mental, receber amigos em casa, fazer alguns passeios ao ar livre me ajudaram muito a manter a cabeça no lugar. Mas obviamente, perdi alguns momentos importantes. Foram viagens que não pude acompanhar, amigos que não pude visitar, aniversários que perdi e até dois grandes amigos que casaram e com muita dor no coração não pude acompanhar. Foi a parte negativa, mas necessária do tratamento. Que se intensificará um pouco mais agora para que eu consiga acabar encerrar de vez todo o tratamento. Mas terei tempo para recuperar tudo isso, com muito mais saúde e afinco de viver estes momentos.

A ansiedade de acabar não é maior que a dúvida de saber o que vai mudar quanto eu voltar. Viver uma experiência tão intensa e de maneira tão focada, ter sua vida dominada pelo tratamento e pela busca da cura, provocou em mim uma reflexão muito grande. Meu intercâmbio pessoal me fez repensar quem eu sou, quem eu quero ser e por que eu sou assim. Sempre busquei o auto-conhecimento de maneira muito profunda, e vi este momento como a oportunidade algo mais intensivo. Obviamente esta busca tão intensa só seria possível com todo este tempo, com dedicação para pesquisar alguns livros e com uma vontade tremenda de aproveitar o momento para sair maior e melhor de tudo isso. Sem rotina, sem script pronto e cheio de dúvidas preenchi a vida como eu quis. E até na maneira de preencher os momentos livres eu fui descobrindo mais de mim. Desconstruí a certeza de que características são divididas em qualidades e defeitos. Entendi que tudo cada momento pedirá algo diferente de mim, cada qualidade me fez ganhar muita coisa, mas perder outras, bem como com os meus defeitos.

Mas como será quando eu voltar à vida de antes? Os pensamentos e a reavaliação de tudo será derrotada pela rotina? A transformação vai se apagar no dia-a-dia, consumido pelas obrigação e urgências? E aí já me veio um dos primeiros aprendizados. Até posso criar expectativas e planos de como será a volta, mas só vivendo eu terei certeza de como tudo acontecerá. Não vou deixa de criar expectativas, é mais forte que eu, mas estarei pronto para derrubá-las e construir novas. E construirei em cima de uma nova base, com toda a experiência que vivi e todo aprendizado que ganhei.

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Todas as fases passam, até a mais difícil

Mais um momento dramático do tratamento. Parece que eles estão se acumulando no final para dar mais emoção quando tudo acabar. Algo meio Season Finale depois de várias temporadas. Semana passada eu tive febre e mais uma vez o procedimento padrão foi acionado. Sabia que com a imunidade baixa eu ficaria internado, sem novidades. Até que o diagnóstico veio. Eu estava com pneumonia.
Durante o tratamento de quimioterapia, com imunidade baixa e anemia, eu ainda acumulava uma pneumonia. Desgraça pouca é bobagem, e eu percebi isso naquele momento. Foram os piores quatro dias de todo o tratamento. Fiquei sem forças para nada, foram quatro dias deitado na cama sem levantar. Dormi muito, falei pouco, até porque não tinha capacidade respiratória para conseguir falar muito, quando acordado só assistia televisão, vegetando com os programas que não vejo há anos, larguei o computador, os livros e todas as metas que tinha. Enfim, não me reconheci por quatro dias. Vi os médicos preocupados, minha mãe e meu marido tentando disfarçar, mas bem abalados e minha irmã à distância tentando ter sinal de celular para receber alguma notícia e ficar mais tranquila. Mas o mais grave foi a fisioterapia, no primeiro ciclo as fisioterapeutas me olhavam com um ar de “meu filho, sério? Você deveria estar na academia, tenho gente com problemas bem maiores que os seus”, obviamente com um olhar suave e um sorriso no rosto, o problema que desta vez ela me disse: “hoje vamos só fazer exercícios sentados e de respiração bem leve”, na hora pensei: Estou completamente ferrado.
Porém, depois de quatro dias comecei a me reconhecer de novo. Antibióticos fazendo efeito, comecei a voltar a fazer as coisas que gosto e ter disposição de novo. Só não consegui comer o arroz e feijão do hospital, e nem acho que seja pelo gosto, devo estar recusando mais pelo fato de ser a comida do hospital mesmo do que pelo paladar. E uma semana depois de me internar eu ganhei alta. Nem tão alta assim, ganhei um descanso, porque apesar de ser a hora de começar o sétimo (penúltimo) ciclo, meu corpo vai precisar de mais recuperação.
Fiquei bem abalado durante o pior período, pois de uma hora para outra tudo muda e você não tem controle nenhum sobre o que acontece. Situações de vulnerabilidade não trazem o melhor de mim, definitivamente. Entretanto, depois que tudo passou, eu ouvi a frase que eu precisava ouvir do meu marido: “Você passou quatro dias como todo mundo espera que seja o tratamento todo”. E realmente aquelas palavras iluminaram a minha gratidão. Tenho passado por tudo tão bem, que não posso reclamar de 4 dias mal dentro de um tratamento que já acumula mais de 150 dias de muito sucesso, disposição e tanta energia positiva. Botando tudo em perspectiva as coisas ganham outra dimensão.
Agora sim, estou recuperado de corpo e alma.

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Sexto ciclo com emoção

Comentei em um post que o ciclo 6 começou com um susto. E realmente não tem outro nome para o que aconteceu. A programação era eu me internar na quarta-feira para iniciar o ciclo de quimioterapia, o sexto de um total de oito. Já sentindo o gostinho de reta final, fui surpreendido no sábado anterior por uma inflamação no mesmo local do linfoma. A inflamação cresceu em poucas horas e ficou bem proeminente. Preocupado, no domingo, mandei mensagem para o meu médico, que me ligou.

Segundo ele eu precisaria fazer uma biópsia, pois poderia ser uma progressão da doença. BOOM (Hiroshima e Nagasaki juntas na minha cabeça). Como assim progressão da doença?! Estou fazendo quimio, e o câncer volta? Ou surge outro câncer? Como posso ter um câncer durante o tratamento de câncer? Mil perguntas para um final de domingo, mas nenhuma resposta até a internação.

Resolvi afastar os pensamentos, desfocar um pouco e pensei : o câncer até pode ser mais forte que o remédio, mas não será mais forte que eu.  Aproveitei o resto de domingo, acordei na segunda, fui fazer exercícios, almocei na beira da praia com uma amiga e meu marido e depois fui para o hospital, precisava ganhar umas horas de distração.

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No hospital fiz tomografia e exame de sangue e imerso no ambiente hospitalar foi mais difícil desviar os pensamentos de uma possível recaída. Voltei ao momento em que o câncer ainda era uma possibilidade e eu estava esperando pela confirmação. A angustia de não ter resposta e de não saber o que vem pela frente sempre foi o momento mais difícil e este momento se repetiu.

Na terça-feira o médico veio me ver, e surpreendentemente a inflamação havia reduzido muito. Os exames não indicavam nenhuma alteração e a inflamação teve outras causas que não o câncer. UFA MASTER! Aguardamos um dia para ver como tudo ia se comportar, e na quarta-feira iniciei a quimioterapia. De volta ao planejado, energias positivas restabelecidas e firme para encarar os ciclos que ainda estão por vir.

“Não existe crescimento sem a dor do aprendizado” – Howard Fast

Minha travessia rumo à cura

Acabei o quinto ciclo de quimioterapia e com muita alegria foi um ciclo bem tranquilo, sem efeitos colaterais, exceto claro o sono atrasado de dormir apenas de 3 em 3 horas no hospital, mas isso eu recuperei em casa. Acabei passando duas semanas no hospital, fui internado com febre e devido à imunidade baixa tive que ficar tomando dois antibióticos na veia por uma semana. Algumas transfusões de plaqueta, como relatei no post passado e aproveitei para emendar a quimioterapia e sair de lá com menos um ciclo pela frente. Aguentei os 15 dias no hospital, sempre olhando para os dias que viriam em casa.

Parece mentira, mas já passei da metade do tratamento. Achei que ia ser um marco muito significativo, que seria um momento especial, mas como nada é por acaso, mês passado eu li o livro do Amyr Klink, 100 dias entre o Céu e o Mar, onde ele relata a travessia que ele fez entre a África e o Brasil, em 1984, a bordo de um barco a remo. Algumas lições do livro eu achei extremamente pertinentes ao tratamento, afinal também estou vivendo uma travessia. Assim como ele o caminho, por mais planejado que seja, é incerto e demanda da gente força, serenidade para enfrentar todos os obstáculos e adaptação para encarar às incertezas.

Uma das lições do livro foi o retrato do meu sentimento atual, mais importante do que vencer as etapas do tratamento, tem sido aproveitar o caminho. Se no começo eu tive pressa de acabar, hoje eu tenho receio do tratamento acabar antes do que eu preciso. Quero viver esta experiência de forma plena e quero que ela seja realmente transformadora. Quero abrir meus olhos para tudo aquilo que não consigo enxergar na correria do dia-a-dia e poder olhar de forma verdadeira para dentro de mim, me entendo melhor e mais profundamente. E como já disse antes, que o tratamento dure o tempo que tem que durar.

Um outro trecho do livro fala exatamente desta sensação de ir em frente, de ter um objetivo. “É engraçado como o bem-estar não depende do conforto, da tranquilidade ou de situações favoráveis, mas simples e unicamente da sensação de ir em frente”. Realmente não vivo o momento mais favorável da minha vida, mas a sensação de estar buscando a cura, evoluindo no tratamento, de conseguir tornar este momento produtivo em vários aspectos e o quanto ele abriu meus olhos para aproveitar os pequenos prazeres da vida, deixa a sensação de que estou indo em frente. Não do jeito que ia em frente antes, mas de um jeito que eu preciso seguir agora, um novo caminho que levará a um novo rumo.  Afinal a vida nunca será uma única estrada que vamos percorrer do começo ao fim. Serão muitos caminhos que precisaremos percorrer para vivenciarmos tudo que precisamos.

Continuando na mesma lógica ele descreve o quanto somos responsáveis pelo nosso caminho e pela forma como encaramos tudo. “Ao caminhar para um objetivo, sobretudo um grande e distante objetivo, as menores coisas se tornam fundamentais…  e quando não se tem um rumo definido é muito fácil perder horas, dias ou anos sem se dar conta disso… Senti que estava cumprindo uma obra de paciência e disciplina. E percebi como é simples conseguir isso. Nada de sacrifícios extremos ou esforços impossíveis. Nada de grande sofrimentos. Ao contrário, bastava apenas o simples, minúsculo e indolor esforço de decidir. E ir em frente. Então tudo se tornava mais fácil. Os problemas encontravam solução.”

Talvez tanto a travessia do Amyr Klink, quanto o meu tempo de tratamento, sejam apenas momentos mais intensos que representam a vida como ela é. Momentos que precisamos ter mais foco, coragem e serenidade. Momentos que vão exigir muito da gente, em um curto espaço de tempo, mas que serão momentos que se bem aproveitados também trarão muitos ensinamentos e amadurecimento. E todos estes aprendizados no final acabam sendo sempre aplicáveis na nossa vida, afinal, de uma forma menos intensa e em um espaço não tão curto de tempo, como os 100 dias dele e os meus possíveis 6 meses de tratamento, nós sempre estaremos enfrentando desafios, seguindo em frente rumo à um objetivo, que precisamos definir e avaliar constantemente e sempre precisaremos ter foco, coragem, determinação e manter a cabeça erguida para tudo que enfrentamos no dia-a-dia.

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Precisei de sangue, mas recebi muito mais

Chegou o momento do tratamento em que precisei pedir ajuda.  No início desta semana, estava em casa e do nada comecei a sentir muito frio, o que é bem estranho para quem mora no Rio de Janeiro, sem dúvida era um sinal de febre.  Mesmo procedimento de sempre, corre para o hospital. Lá já fiz todos os exames, comecei o antibiótico, remédio para febre e a notícia: devido aos meus exames de sangue eu teria que ser internado por  7 dias. Minhas plaquetas estavam em 2 mil, quando o normal é mais de 150 mil. A médica não queria nem me deixar ir ao banheiro com medo que eu pudesse cair no chão e qualquer ferimento seria um problema grave.

Com este diagnóstico já tive que recorrer para a transfusão de plaquetas. Como peso 78 kg cada bolsa de plaqueta para mim tem o sangue de 8 pessoas. Sim, 8 pessoas!!! Como precisei novamente de outra bolsa, dois dias depois , eu já estava no SPC do Banco de Sangue. Devendo muitas plaquetas e sangue para eles. Assim precisei da ajuda dos meus amigos para darem, literalmente, o sangue por mim.

Fiquei impressionado com a campanha que se formou.  O post que eu fiz na página do Projeto Cura do Linfoma foi compartilhado por 338 pessoas e passou na timeline do Facebook de mais de 45 mil pessoas. Fiquei extremamente surpreso com estes números, mas mais que isso, fiquei emocionado com a mobilização feita.

Foram inúmeras pessoas que se dispuseram a me ajudar. Seja compartilhando o post, chamando os amigos no whatsapp, criando email para toda área de marketing da empresa que trabalho e doando, todo mundo ajudou muito. Fui pego de surpresa por amigos que moram em outros estados, mas que estavam no Rio à trabalho e passaram para doar sangue, mesmo com a agenda apertada e vários compromissos essas pessoas encontraram o tempo para me ajudar. Outra coisa que me surpreendeu muito foi a iniciativa de pessoas que não conheço, amigos de amigos que doaram sangue, que compartilharam a campanha, que chamaram mais gente. É o típico “fazer o bem, sem olhar a quem”.

Contar com o apoio de tanta gente, sentir que uma mobilização se formou, perceber que as pessoas ficaram preocupadas e ajudaram é uma sensação muito boa. Todas as ações foram uma demonstração enorme de carinho que fizeram eu me sentir muito querido.  Uma sensação de que todo contato que tive com cada um foi uma oportunidade de tocar aquela pessoa, e uma alegria de saber que consegui impactar positivamente um número tão grande de pessoas, mesmo na correria do dia-a-dia e naqueles encontros mais banais no café do trabalho. O sentimento que fica é de que estou fazendo algo de bom nesta vida e que energia sempre volta em dobro para a gente.

Não recebi só sangue, no final recebi muita energia positiva e amor. E tenham certeza que tudo isso será muito útil no tratamento e ajudará na minha recuperação. Meu agradecimento eterno à todos!