Um ano atrás…

Quem olha pra mim hoje nem consegue imaginar onde eu estava há um ano atrás. Há exatamente um ano eu estava começando a quimioterapia, dezembro do ano passado eu fiquei 25 dias internado. Meu Natal foi no hospital mesmo, consegui escapar no dia 31 de dezembro às 15 horas para poder virar o ano em casa. Hoje estou há 7 dias em um cruzeiro no Caribe. Um ano depois e eu estou curtindo intensamente uma praia nova a cada dia e pensar que passei 9 meses longe do sol, porque a quimioterapia poderia manchar a pele.
É muito fácil deixar a vida andar e quase esquecer o que passou. Porém, relembrar é muito bom. Olhar pra trás e perceber onde eu estava há um ano me faz valorizar muito cada momento vivido hoje. Chorei algumas vezes nesta viagem, chorei ao ver o céu lindamente alaranjado depois do por do sol no meio do oceano e lembrar que há um ano a minha vista era uma janela para um poço de luz, em que eu nem conseguia saber se chovia ou fazia sol. Chorei ao tomar banho e perceber que ao sair dali eu iria estar em um quarto maravilhoso e logo em seguida estaria indo conhecer uma praia incrível, ao contrário da falta de liberdade que o hospital me proporcionava. Chorei porque acordei, firme, forte, disposto e cheio de energia, com uma vontade absurda de viver a vida. Com certeza chorei nesta viagem, mais do que o tratamento todo, mas chorei de alegria. É tanto amor e felicidade que transbordam em forma de lágrimas.
Aceitei que o período de tratamento foi  necessário, que com muita força de vontade pude transformar em um dos momentos mais iluminados da minha vida. Apesar de preferir a praia do Caribe ao hospital, nunca desejei não ter passado pelo câncer, afinal desejar não ter vivido o que eu vivi seria negar a pessoa que sou hoje. Aprendi a respeitar a impermanência da vida. Sem poder controlar o que vem, só desejo que eu sempre possa crescer e encarar tudo como uma oportunidade.
Outro aprendizado muito importante de tudo que passei foi a certeza que o futuro eu não controlo. Não sei onde eu estarei no ano que vem. E sabendo que o futuro nunca chega, vivo intensamente o presente. Estou presente e consciente de que esse é o momento que tem que ser vivido.

post antes e depois

 

You make me happy when skies are grey

Hoje é o aniversário de uma pessoa muito especial, meu marido. E para ele todo meu agradecimento e amor…

Quando tudo começou ninguém fazia ideia do que estava por vir. Não sabíamos direito o que esperar, construímos e desconstruímos expectativas e fomos aprendendo as regras do jogo enquanto a bola rolava. Não foi fácil, mas foi bem mais fácil por ter você ao meu lado.

Sua capacidade de se doar, de pensar em mim primeiro. Sua força de segurar a barra por nós dois, de manter a cabeça erguida junto comigo e manter a energia sempre positiva para que eu continuasse podendo sorrir. E quando não deu para segurar o choro, você saiu do quarto, viveu seu momento de dor e voltou pronto para olhar só para mim. Você se desdobrou, mesmo tendo que trabalhar e cuidar da casa, você não saiu do meu lado. Lembro sempre das suas caras quando eu dizia para você ir para a casa que a minha irmã ou mãe iriam dormir comigo, você sentia que seu posto estava sendo tomado, até sua cara de contrariado eu achava lindo, afinal era a demonstração clara de que você não achava que aquele tarefa deveria ser delegada para outra pessoa que não fosse você. Afinal você queria estar comigo para qualquer coisa que eu precisasse.

Na minha visão pragmática das coisas, sempre acreditei que nada pode desenvolver mais a gente do que a convivência e a cumplicidade com outra pessoa. Mas muito além disso, percebi que um relacionamento é para tornar a vida mais leve. Com você ao meu lado pude ter a força de enfrentar tudo de peito aberto e ao mesmo tempo pude viver a dor das incertezas que enfrentava, sabia que você sempre estaria pronto para me ajudar a voltar ao caminho certo, a me sentir melhor.

Aprendi a ver o amor e o carinho de cada gesto. Cada mensagem preocupado, cada pão de queijo que você comprava no bar do hospital para eu poder comer algo, cada febre que a gente acompanhava junto até chegar a hora de ir para o hospital, cada vez que você acrescentava ao boa noite a frase “me acorda por qualquer coisa, nem que seja para me dizer que me ama” e agora na sua felicidade de ver o meu cabelo crescer. Eu tenho certeza que não poderia ser mais amado do que sou por você.

Amor, hoje é seu aniversário e eu não poderia deixar de agradecer e de mostrar para o mundo a sorte que eu tenho de ter ao meu lado. Tenho certeza que eu não poderia ter escolhido melhor companhia para enfrentar todas as dificuldades da vida, para crescer junto comigo e para dividir um projeto de vida. Sei que não precisamos de mais provas para comprovar isso, mas a vida com certeza vai dar mais algumas e estaremos prontos para enfrentar tudo que vier, sempre juntos. Você não imagina o quanto sou feliz por ter encontrado alguém que me ensina, me apoia e deixa tudo mais leve quanto você.  Te amo muito!

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Vivendo antes da linha de chegada

Estou em uma fase estranha do tratamento. Ainda estou fazendo exames de sangue semanais para acompanhar a imunidade e as plaquetas, mas já não tenho mais quimioterapias para fazer. Ainda tenho que tenho que tomar injeções de granulokine, mas já estou liberado para comer sushi e já estou voltando a malhar.

O último ciclo aconteceu sem eu perceber, quer dizer, eu percebi, mas não sabendo que era o último eu não me despedi do tratamento. Aguardei por muito tempo o oitavo e último ciclo, preparei faixas, bolo e quase mandei fazer uma camiseta. Realmente era um momento para ser comemorado com cara e felicidade de festa de aniversário, talvez um dos aniversários mais importantes. Mas não foi assim que aconteceu. Esperei, esperei e esperei mais ainda, mas minha medula nunca se recuperou o suficiente para começar o último ciclo. Já se passaram dois meses que eu encerrei a sétima quimio e meu corpo ainda não estaria pronto para fazer a oitava. Entretanto e por isso mesmo, ela foi descartada e o tratamento interrompido. Ao invés da última internação no hospital e de cinco dias intensos de remédio eu apenas recebi uma ligação do médico dizendo que tudo tinha acabado ali.

Como nada escapa sem emoção, eu vivi a dúvida de ter leucemia. Foram duas semanas onde o fantasma de começar tudo de novo rondava minha cabeça. Por mais que eu tivesse a calma e a positividade de acreditar que não seria nada disso, ter essa possibilidade rondando não era algo muito fácil de lidar. Não foi a toa que meu alívio de saber que minha medula estava apenas preguiçosa foi uma das coisas mais intensas que senti.

Passado este susto eu estou voltando a minha rotina, encontrando meus amigos, vendo muita gente, comendo muitas coisas que não podia, voltando à academia, já voltei ao trabalho, mas comecei pelas férias hehe. Aos poucos vou retomando a vida normal, mas ainda tenho o exame final do PET Scan para fazer. Esse é o exame que define o final desta fase. Ele é o certificado ou a medalha de fim da prova. Por isso, apesar de estar retomando tudo ao normal, ainda não cruzei essa linha de chegada.

Poderia estar esperando por este momento com ansiedade, mas a experiência do tratamento me ensinou a viver o momento. Estar consciente no presente, viver as alegrias de agora, que já são muitas. Então ainda não tenho aquele tão esperado momento de felicidade sublime e pico de emoção, mas tenho vários pequenos momentos de conquistas e novidades que aos poucos vão formando meu caminho de volta à minha vida normal. E se a vida não é sempre assim… esperamos por aquele pico de felicidade, aquelas férias, aquela festa, aquele final de semana, sempre projetando para o futuro, achando que ele vai encher a gente de alegria e plenitude, quando na verdade é a construção do caminho que te levou até lá que torna a vida mais completa.

Aprendi a viver com plenitude e consciência todos os momentos, prestando atenção e olhando para o presente!

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Esperando o último ciclo

Já havia acabado o ciclo de antibiótico, já não havia o mínimo sinal de febre, já tinha preparado as placas comemorativas do último ciclo de quimio e já estava com o bolo para comemorar o fim do tratamento. Só não tinha as taxas de plaquetas adequadas para iniciar a última fase.

Desde segunda-feira eu estava pronto para iniciar o tratamento, só faltava as plaquetas chegarem a 100 mil. Com a ansiedade de acabar logo com tudo decidi esperar as plaquetas subirem internado no hospital. Já estando lá quando as plaquetas atingissem o nível adequado eu poderia começar a quimioterapia no mesmo dia. Mas expectativa e realidade não caminham juntas. Na segunda eu estava com 38 mil plaquetas, na terça 42 mil, na quarta deu um salto para 78 mil, já imaginei que quinta eu iria iniciar, mas o resultado foi de 81 mil. Por mais que subisse pouco, quando chegasse a 90 mil eu tentaria negociar com médico o início do tratamento, mas o resultado de sexta foi um soco no estômago, ao invés de subir, mesmo que pouco, o número baixou. Eu estava com 72 mil plaquetas.

Depois de 13 dias internado, sendo que destes 5 só esperando começar o último ciclo, decidi que era hora de ir para casa e esperar por lá mesmo. Assim diminuiria um provável fator desta demora, a minha ansiedade. Fazer exames diariamente, para acordar esperando o resultado, na expectativa de começar logo o tratamento estava me gerando uma ansiedade, expectativa, seguida de uma frustração. Ir para a casa era a única coisa que eu poderia mudar neste cenário, e sabendo que ajudaria a tornar a espera bem mais fácil, não tive dúvida que era o melhor a fazer.

Quanto mais próximo do final mais cansado a gente vai ficando. O efeito acumulativo da quimioterapia torna a recuperação da medula mais lenta e o efeito acumulativo de passar vários dias no hospital diminuem a nossa resistência para aguentar novas internações.

Além disso, a proximidade do final aumenta a ansiedade. Se no início você está tão longe deste momento que você se preocupa em como vai ocupar tanto tempo, no final falta tão pouco que esta preocupação não existe mais. Eu estava mais preocupado com o pós-último ciclo, o que eu iria fazer, que data eu iria voltar a trabalhar, quando poderia comer sushi de novo e aproveitar uma praia.

Para alguém também programado, fã de um cronograma (sim, tentei montar um calendário pós-ultimo ciclo, mas tive que desistir, afinal não sei nenhuma data ao certo) é hora de aprender a viver mais o momento, de botar a energia no agora e de aprender que vale a pena planejar os próximos passos, mas que eles acontecerão na hora que tem que acontecer, e por mais que eu me esforce para fazer acontecer, as vezes nem tudo está nas minhas mãos.

 

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Quase na reta final

Sétimo ciclo encerrado! Mais um/ menos um! Agora tenho a sensação de reta final, de que falta pouco, afinal mais uma quimioterapia e deve estar tudo acabado. Apesar de faltar pouco, ainda terei uma preparação antes de voltar à vida normal. São 16 dias de recuperação até o último ciclo, depois mais 30 dias para poder me recuperar, fazer os exames e esperar os resultados. E só depois do PET (exame de imagem com material radioativo) eu saberei de fato se estou curado.

A expectativa é obviamente grande, não consigo imaginar outro resultado que não seja a cura total. E se foi esse o pensamento positivo que me trouxe até aqui, será ele que me guiará até o final.

Nesta fase não posso arriscar nenhuma intercorrência. E terei que viver um pouco mais restrito em termos de visitas e qualquer outra saída de casa, que já eram esparsas. Sempre procurei o balanço ideal entre a saúde física e mental, receber amigos em casa, fazer alguns passeios ao ar livre me ajudaram muito a manter a cabeça no lugar. Mas obviamente, perdi alguns momentos importantes. Foram viagens que não pude acompanhar, amigos que não pude visitar, aniversários que perdi e até dois grandes amigos que casaram e com muita dor no coração não pude acompanhar. Foi a parte negativa, mas necessária do tratamento. Que se intensificará um pouco mais agora para que eu consiga acabar encerrar de vez todo o tratamento. Mas terei tempo para recuperar tudo isso, com muito mais saúde e afinco de viver estes momentos.

A ansiedade de acabar não é maior que a dúvida de saber o que vai mudar quanto eu voltar. Viver uma experiência tão intensa e de maneira tão focada, ter sua vida dominada pelo tratamento e pela busca da cura, provocou em mim uma reflexão muito grande. Meu intercâmbio pessoal me fez repensar quem eu sou, quem eu quero ser e por que eu sou assim. Sempre busquei o auto-conhecimento de maneira muito profunda, e vi este momento como a oportunidade algo mais intensivo. Obviamente esta busca tão intensa só seria possível com todo este tempo, com dedicação para pesquisar alguns livros e com uma vontade tremenda de aproveitar o momento para sair maior e melhor de tudo isso. Sem rotina, sem script pronto e cheio de dúvidas preenchi a vida como eu quis. E até na maneira de preencher os momentos livres eu fui descobrindo mais de mim. Desconstruí a certeza de que características são divididas em qualidades e defeitos. Entendi que tudo cada momento pedirá algo diferente de mim, cada qualidade me fez ganhar muita coisa, mas perder outras, bem como com os meus defeitos.

Mas como será quando eu voltar à vida de antes? Os pensamentos e a reavaliação de tudo será derrotada pela rotina? A transformação vai se apagar no dia-a-dia, consumido pelas obrigação e urgências? E aí já me veio um dos primeiros aprendizados. Até posso criar expectativas e planos de como será a volta, mas só vivendo eu terei certeza de como tudo acontecerá. Não vou deixa de criar expectativas, é mais forte que eu, mas estarei pronto para derrubá-las e construir novas. E construirei em cima de uma nova base, com toda a experiência que vivi e todo aprendizado que ganhei.

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Todas as fases passam, até a mais difícil

Mais um momento dramático do tratamento. Parece que eles estão se acumulando no final para dar mais emoção quando tudo acabar. Algo meio Season Finale depois de várias temporadas. Semana passada eu tive febre e mais uma vez o procedimento padrão foi acionado. Sabia que com a imunidade baixa eu ficaria internado, sem novidades. Até que o diagnóstico veio. Eu estava com pneumonia.
Durante o tratamento de quimioterapia, com imunidade baixa e anemia, eu ainda acumulava uma pneumonia. Desgraça pouca é bobagem, e eu percebi isso naquele momento. Foram os piores quatro dias de todo o tratamento. Fiquei sem forças para nada, foram quatro dias deitado na cama sem levantar. Dormi muito, falei pouco, até porque não tinha capacidade respiratória para conseguir falar muito, quando acordado só assistia televisão, vegetando com os programas que não vejo há anos, larguei o computador, os livros e todas as metas que tinha. Enfim, não me reconheci por quatro dias. Vi os médicos preocupados, minha mãe e meu marido tentando disfarçar, mas bem abalados e minha irmã à distância tentando ter sinal de celular para receber alguma notícia e ficar mais tranquila. Mas o mais grave foi a fisioterapia, no primeiro ciclo as fisioterapeutas me olhavam com um ar de “meu filho, sério? Você deveria estar na academia, tenho gente com problemas bem maiores que os seus”, obviamente com um olhar suave e um sorriso no rosto, o problema que desta vez ela me disse: “hoje vamos só fazer exercícios sentados e de respiração bem leve”, na hora pensei: Estou completamente ferrado.
Porém, depois de quatro dias comecei a me reconhecer de novo. Antibióticos fazendo efeito, comecei a voltar a fazer as coisas que gosto e ter disposição de novo. Só não consegui comer o arroz e feijão do hospital, e nem acho que seja pelo gosto, devo estar recusando mais pelo fato de ser a comida do hospital mesmo do que pelo paladar. E uma semana depois de me internar eu ganhei alta. Nem tão alta assim, ganhei um descanso, porque apesar de ser a hora de começar o sétimo (penúltimo) ciclo, meu corpo vai precisar de mais recuperação.
Fiquei bem abalado durante o pior período, pois de uma hora para outra tudo muda e você não tem controle nenhum sobre o que acontece. Situações de vulnerabilidade não trazem o melhor de mim, definitivamente. Entretanto, depois que tudo passou, eu ouvi a frase que eu precisava ouvir do meu marido: “Você passou quatro dias como todo mundo espera que seja o tratamento todo”. E realmente aquelas palavras iluminaram a minha gratidão. Tenho passado por tudo tão bem, que não posso reclamar de 4 dias mal dentro de um tratamento que já acumula mais de 150 dias de muito sucesso, disposição e tanta energia positiva. Botando tudo em perspectiva as coisas ganham outra dimensão.
Agora sim, estou recuperado de corpo e alma.

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Sexto ciclo com emoção

Comentei em um post que o ciclo 6 começou com um susto. E realmente não tem outro nome para o que aconteceu. A programação era eu me internar na quarta-feira para iniciar o ciclo de quimioterapia, o sexto de um total de oito. Já sentindo o gostinho de reta final, fui surpreendido no sábado anterior por uma inflamação no mesmo local do linfoma. A inflamação cresceu em poucas horas e ficou bem proeminente. Preocupado, no domingo, mandei mensagem para o meu médico, que me ligou.

Segundo ele eu precisaria fazer uma biópsia, pois poderia ser uma progressão da doença. BOOM (Hiroshima e Nagasaki juntas na minha cabeça). Como assim progressão da doença?! Estou fazendo quimio, e o câncer volta? Ou surge outro câncer? Como posso ter um câncer durante o tratamento de câncer? Mil perguntas para um final de domingo, mas nenhuma resposta até a internação.

Resolvi afastar os pensamentos, desfocar um pouco e pensei : o câncer até pode ser mais forte que o remédio, mas não será mais forte que eu.  Aproveitei o resto de domingo, acordei na segunda, fui fazer exercícios, almocei na beira da praia com uma amiga e meu marido e depois fui para o hospital, precisava ganhar umas horas de distração.

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No hospital fiz tomografia e exame de sangue e imerso no ambiente hospitalar foi mais difícil desviar os pensamentos de uma possível recaída. Voltei ao momento em que o câncer ainda era uma possibilidade e eu estava esperando pela confirmação. A angustia de não ter resposta e de não saber o que vem pela frente sempre foi o momento mais difícil e este momento se repetiu.

Na terça-feira o médico veio me ver, e surpreendentemente a inflamação havia reduzido muito. Os exames não indicavam nenhuma alteração e a inflamação teve outras causas que não o câncer. UFA MASTER! Aguardamos um dia para ver como tudo ia se comportar, e na quarta-feira iniciei a quimioterapia. De volta ao planejado, energias positivas restabelecidas e firme para encarar os ciclos que ainda estão por vir.

“Não existe crescimento sem a dor do aprendizado” – Howard Fast

Minha travessia rumo à cura

Acabei o quinto ciclo de quimioterapia e com muita alegria foi um ciclo bem tranquilo, sem efeitos colaterais, exceto claro o sono atrasado de dormir apenas de 3 em 3 horas no hospital, mas isso eu recuperei em casa. Acabei passando duas semanas no hospital, fui internado com febre e devido à imunidade baixa tive que ficar tomando dois antibióticos na veia por uma semana. Algumas transfusões de plaqueta, como relatei no post passado e aproveitei para emendar a quimioterapia e sair de lá com menos um ciclo pela frente. Aguentei os 15 dias no hospital, sempre olhando para os dias que viriam em casa.

Parece mentira, mas já passei da metade do tratamento. Achei que ia ser um marco muito significativo, que seria um momento especial, mas como nada é por acaso, mês passado eu li o livro do Amyr Klink, 100 dias entre o Céu e o Mar, onde ele relata a travessia que ele fez entre a África e o Brasil, em 1984, a bordo de um barco a remo. Algumas lições do livro eu achei extremamente pertinentes ao tratamento, afinal também estou vivendo uma travessia. Assim como ele o caminho, por mais planejado que seja, é incerto e demanda da gente força, serenidade para enfrentar todos os obstáculos e adaptação para encarar às incertezas.

Uma das lições do livro foi o retrato do meu sentimento atual, mais importante do que vencer as etapas do tratamento, tem sido aproveitar o caminho. Se no começo eu tive pressa de acabar, hoje eu tenho receio do tratamento acabar antes do que eu preciso. Quero viver esta experiência de forma plena e quero que ela seja realmente transformadora. Quero abrir meus olhos para tudo aquilo que não consigo enxergar na correria do dia-a-dia e poder olhar de forma verdadeira para dentro de mim, me entendo melhor e mais profundamente. E como já disse antes, que o tratamento dure o tempo que tem que durar.

Um outro trecho do livro fala exatamente desta sensação de ir em frente, de ter um objetivo. “É engraçado como o bem-estar não depende do conforto, da tranquilidade ou de situações favoráveis, mas simples e unicamente da sensação de ir em frente”. Realmente não vivo o momento mais favorável da minha vida, mas a sensação de estar buscando a cura, evoluindo no tratamento, de conseguir tornar este momento produtivo em vários aspectos e o quanto ele abriu meus olhos para aproveitar os pequenos prazeres da vida, deixa a sensação de que estou indo em frente. Não do jeito que ia em frente antes, mas de um jeito que eu preciso seguir agora, um novo caminho que levará a um novo rumo.  Afinal a vida nunca será uma única estrada que vamos percorrer do começo ao fim. Serão muitos caminhos que precisaremos percorrer para vivenciarmos tudo que precisamos.

Continuando na mesma lógica ele descreve o quanto somos responsáveis pelo nosso caminho e pela forma como encaramos tudo. “Ao caminhar para um objetivo, sobretudo um grande e distante objetivo, as menores coisas se tornam fundamentais…  e quando não se tem um rumo definido é muito fácil perder horas, dias ou anos sem se dar conta disso… Senti que estava cumprindo uma obra de paciência e disciplina. E percebi como é simples conseguir isso. Nada de sacrifícios extremos ou esforços impossíveis. Nada de grande sofrimentos. Ao contrário, bastava apenas o simples, minúsculo e indolor esforço de decidir. E ir em frente. Então tudo se tornava mais fácil. Os problemas encontravam solução.”

Talvez tanto a travessia do Amyr Klink, quanto o meu tempo de tratamento, sejam apenas momentos mais intensos que representam a vida como ela é. Momentos que precisamos ter mais foco, coragem e serenidade. Momentos que vão exigir muito da gente, em um curto espaço de tempo, mas que serão momentos que se bem aproveitados também trarão muitos ensinamentos e amadurecimento. E todos estes aprendizados no final acabam sendo sempre aplicáveis na nossa vida, afinal, de uma forma menos intensa e em um espaço não tão curto de tempo, como os 100 dias dele e os meus possíveis 6 meses de tratamento, nós sempre estaremos enfrentando desafios, seguindo em frente rumo à um objetivo, que precisamos definir e avaliar constantemente e sempre precisaremos ter foco, coragem, determinação e manter a cabeça erguida para tudo que enfrentamos no dia-a-dia.

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Lições que minha irmã me ensinou

Quando éramos pequenos ela corrigia os meus chinelos, que eu teimava em botar invertido. Na infância ainda, ela me ensinou que quando um não quer dois não brigam, apesar das nossas esparsas tentativas de brigas, já que nosso apelido era Sandy e Júnior – os irmãos que nunca brigam.

Na adolescência, ela descobriu o mundo e me inspirou a fazer o mesmo. Não que eu tenha conseguido fazer metade do que ela fez e nem ter vivido tantas experiências como ela viveu. Nos formamos na faculdade juntos, uma festa só, e ali ela me mostrou que nem todo mundo quer a mesma coisa, que meu desejo louco de virar trainee era o meu desejo e não o dela, era a minha verdade e não a dela.

Há pouco temos atrás ela me fez perceber as infinitas possibilidades que a vida nos oferece e as mais diversas dimensões de sucesso e realização.

Parece que foi ontem que ela chegou aqui no Rio para cuidar de mim, deixou toda sua vida para trás e veio para perto de mim. Chegou no início do tratamento e foi minha companheira até sexta-feira, quando ela e meu cunhado partiram de volta para a Austrália. Desta vez aprendi que amor de irmão não tem barreiras e que o conforto de tê-la ao meu lado já foi o suficiente para encher o meu espírito de alegria.

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Temos nossas semelhanças e nossas diferenças e outra coisa que ela me fez perceber é que foram nas nossas diferenças que a gente mais marcou a vida um do outro. Foi quando, mesmo sem querer admitir, porque com ela eu sou teimoso, ela me mostrou um novo caminho, uma nova forma de pensar. Nas diferenças conseguimos genuinamente viver a experiência do outro e tirar os aprendizados, mesmo sem ter feito tantos intercâmbios ou sem ter entrado de corpo e alma no mundo corporativo. Nas semelhanças geralmente apenas encontramos o reforço de alguns defeitos, que a gente chama de “defeitos de família” e assim alivia o peso da nossa responsabilidade sobre eles.

Que não faltem oportunidades para você abrir meus olhos, para a gente discordar, para eu fingir que eu não te ouço, mas para no final ficar pensando no que você me disse.

Agora estamos longe, mas que cada um siga seu caminho com mais um pouco do outro dentro de si.

O tempo das coisas

No começo ficava preocupado com o tempo que o tratamento duraria. Queria saber as datas específicas de começo e fim, queria planejar a minha volta para o trabalho, para academia, as viagens que deixei para trás, enfim queria acelerar ao máximo o tratamento. Lembro que entre o primeiro e o segundo ciclo, meu sistema imunológico se recuperou tão bem que consegui adiantar a próxima quimio em três dias. E isso foi fundamental para salvar meu réveillon, ao invés de passar internado no hospital, dia 31 de dezembro tive alta para ver os fogos em casa com a minha família. Porém, também lembro que na minha cabeça aqueles três dias tiveram outro significado. Pensei: se eu adiantar três dias cada ciclo, sendo 8 ciclos (7 intervalos) eu ganharia 21 dias, ou seja, poderia encerrar o tratamento 21 dias antes. Naquele momento, tracei esse objetivo, acelerar o máximo que eu pudesse e o médico permitisse, tentando ganhar ao menos 1 dia em cada intervalo.

Impressionante como em pouco tempo muita coisa muda. Estou esperando para começar o quarto ciclo e este ciclo parece que está “amarrado” hehehe, primeiro tive que adiar uma semana o início dele, pois um dos remédios da quimio atacou o fígado, precisava me recuperar antes de iniciar o novo ciclo. Depois faltando cinco dias para voltar para a quimio, tive febre. Comecei a sentir frio, medi a temperatura e estava com 38 graus. Fui para o hospital, fiz mil exames, nenhuma infecção foi descoberta, depois de um antibiótico na veia e dipirona a febre baixou e pude voltar para casa. Junto comigo veio a prescrição de uma semana de antibiótico, ou seja, terei que esperar mais três dias (além da uma semana que já estava na conta) para começar o quarto ciclo.

Como eu falei as coisas mudam, e a gente muda junto… Mesmo antes da primeira postergação do início do ciclo, minha preocupação já não era mais acelerar o tratamento. Comecei a pensar se ia dar tempo de fazer todos os cursos que eu havia planejado, ler todos os livros, mas principalmente, se ia dar tempo de eu passar pelo processo de auto-conhecimento e poder sair uma pessoa melhor de tudo isso. Se eu vou ter tempo de trilhar o caminho da descoberta de quem eu sou, de quem eu quero ser e conseguir caminhar em direção à esta mudança.

Entretanto, uma coisa eu já aprendi também, o tratamento vai durar o tempo que tem que durar. E não cabe a mim decidir, cabea mim fazer o melhor com isso.

O período de maior ganho em conhecimento e experiência é o período mais difícil da vida de alguém.” – Dalai Lama

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