Sentidos da vida

Várias pessoas me perguntaram se eu estava ansioso para voltar ao trabalho depois de tanto tempo afastado para o tratamento do câncer. Minha resposta para algumas delas foi: “Empolgado eu estava para voltar à academia, não ao trabalho”. Apesar de entender o significado que era retomar o trabalho como mais um sinal de que estava no caminho da cura eu não via ele como o marco mais importante ou empolgante. Demorei uns dias para entender, que não é por não gostar do meu trabalho, aliás pelo contrário. Foi muito bom retomar minhas atividades, reencontrar um número enorme de pessoas queridas, estar envolvidos em decisões importantes da empresa, gosto muito do que faço, mas entendi que o problema era o tempo envolvido nisso.

Durante todo o tratamento me senti super produtivo. Fui atrás de coisas que me preenchessem e me realizassem. Li inúmeros livros, fiz diversos cursos on-line, me dediquei a algumas atividades do meu hostel, me descobri escrevendo e abri a minha mente para assuntos que eu nunca tinha parado para pensar, como meditação e mindfulness. Tive tempo para pensar na minha vida, refletir sobre decisões e viver o presente. Quando voltei ao trabalho não parei de me questionar onde estava aquele tempo que eu tinha para poder desenvolver pensamentos diferentes, para conseguir avaliar o que estava acontecendo.

Agora quando eu acordo já está tudo definido, uma rotina seguida de atividades que não deixam muito espaço para pensar, a rotina já está decidida. Se eu para pensar eu já estarei atrasado para alguma coisa. E quando sobra um pouquinho de tempo no final do dia, falta energia, é uma vontade enorme de se desconectar.  Se desconectar é relaxante, mas tem um preço caro, perdermos a conexão com nós mesmos.

O problema do trabalho é que ele exige um relacionamento baseado na exclusividade, o seu tempo é dedicado a ele. Você passa muito mais tempo no trabalho do que convivendo com a pessoa que você prometeu passar o resto da vida junto. E olha que para achar essa pessoa não foi fácil, deu muito trabalho, demandou muita energia e esforço de negociação e comprometimento dos dois para tornar aquela relação boa para ambos, e tomara que seja pro resto da vida porque assim velhinhos vocês poderão ficar juntos, ou nas férias se conseguirmos tirar no mesmo período. Mas a convivência com a família é só mais um dos pontos que me dei conta que perdem espaço nesta minha nova rotina, e na rotina de todo mundo.

O problema é que à medida que o tempo dedicado à vida corporativa passa a ser tão grande a expectativa de retorno é imensa. Acabamos projetando na vida profissional todas as realizações que poderiam ser supridas por outras coisas, mas que não temos tempo e energia para focar.

Voltei achando que ia ser diferente, mas a diferença foi a minha necessidade de não entrar no ciclo de novo, de manter uma visão crítica permanente sobre a minha vida. Muitas pessoas falam que a gente acostuma com o tempo, todos nós nos acostumamos, mas eu não quero perder essa inquietação.  Não sei se acharei uma resposta para estas dúvidas ou um caminho diferente, mas só de me questionar e não aceitar as coisas porque são assim já acho que valeu o aprendizado.

A questão não é qual o sentindo da vida, mas quantos sentidos você dará a sua vida”  – Nietzsche

PS: a foto deste post foi tirada as 17:40 de dentro do escritório. Este lindo pôr do sol (que a foto não consegue representar) gerou uma confusão no trabalho, uma quantidade enorme de pessoas indo para a janela apreciar por dois minutos uma coisa que perdemos todo dia.

 

Quase na reta final

Sétimo ciclo encerrado! Mais um/ menos um! Agora tenho a sensação de reta final, de que falta pouco, afinal mais uma quimioterapia e deve estar tudo acabado. Apesar de faltar pouco, ainda terei uma preparação antes de voltar à vida normal. São 16 dias de recuperação até o último ciclo, depois mais 30 dias para poder me recuperar, fazer os exames e esperar os resultados. E só depois do PET (exame de imagem com material radioativo) eu saberei de fato se estou curado.

A expectativa é obviamente grande, não consigo imaginar outro resultado que não seja a cura total. E se foi esse o pensamento positivo que me trouxe até aqui, será ele que me guiará até o final.

Nesta fase não posso arriscar nenhuma intercorrência. E terei que viver um pouco mais restrito em termos de visitas e qualquer outra saída de casa, que já eram esparsas. Sempre procurei o balanço ideal entre a saúde física e mental, receber amigos em casa, fazer alguns passeios ao ar livre me ajudaram muito a manter a cabeça no lugar. Mas obviamente, perdi alguns momentos importantes. Foram viagens que não pude acompanhar, amigos que não pude visitar, aniversários que perdi e até dois grandes amigos que casaram e com muita dor no coração não pude acompanhar. Foi a parte negativa, mas necessária do tratamento. Que se intensificará um pouco mais agora para que eu consiga acabar encerrar de vez todo o tratamento. Mas terei tempo para recuperar tudo isso, com muito mais saúde e afinco de viver estes momentos.

A ansiedade de acabar não é maior que a dúvida de saber o que vai mudar quanto eu voltar. Viver uma experiência tão intensa e de maneira tão focada, ter sua vida dominada pelo tratamento e pela busca da cura, provocou em mim uma reflexão muito grande. Meu intercâmbio pessoal me fez repensar quem eu sou, quem eu quero ser e por que eu sou assim. Sempre busquei o auto-conhecimento de maneira muito profunda, e vi este momento como a oportunidade algo mais intensivo. Obviamente esta busca tão intensa só seria possível com todo este tempo, com dedicação para pesquisar alguns livros e com uma vontade tremenda de aproveitar o momento para sair maior e melhor de tudo isso. Sem rotina, sem script pronto e cheio de dúvidas preenchi a vida como eu quis. E até na maneira de preencher os momentos livres eu fui descobrindo mais de mim. Desconstruí a certeza de que características são divididas em qualidades e defeitos. Entendi que tudo cada momento pedirá algo diferente de mim, cada qualidade me fez ganhar muita coisa, mas perder outras, bem como com os meus defeitos.

Mas como será quando eu voltar à vida de antes? Os pensamentos e a reavaliação de tudo será derrotada pela rotina? A transformação vai se apagar no dia-a-dia, consumido pelas obrigação e urgências? E aí já me veio um dos primeiros aprendizados. Até posso criar expectativas e planos de como será a volta, mas só vivendo eu terei certeza de como tudo acontecerá. Não vou deixa de criar expectativas, é mais forte que eu, mas estarei pronto para derrubá-las e construir novas. E construirei em cima de uma nova base, com toda a experiência que vivi e todo aprendizado que ganhei.

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Minha travessia rumo à cura

Acabei o quinto ciclo de quimioterapia e com muita alegria foi um ciclo bem tranquilo, sem efeitos colaterais, exceto claro o sono atrasado de dormir apenas de 3 em 3 horas no hospital, mas isso eu recuperei em casa. Acabei passando duas semanas no hospital, fui internado com febre e devido à imunidade baixa tive que ficar tomando dois antibióticos na veia por uma semana. Algumas transfusões de plaqueta, como relatei no post passado e aproveitei para emendar a quimioterapia e sair de lá com menos um ciclo pela frente. Aguentei os 15 dias no hospital, sempre olhando para os dias que viriam em casa.

Parece mentira, mas já passei da metade do tratamento. Achei que ia ser um marco muito significativo, que seria um momento especial, mas como nada é por acaso, mês passado eu li o livro do Amyr Klink, 100 dias entre o Céu e o Mar, onde ele relata a travessia que ele fez entre a África e o Brasil, em 1984, a bordo de um barco a remo. Algumas lições do livro eu achei extremamente pertinentes ao tratamento, afinal também estou vivendo uma travessia. Assim como ele o caminho, por mais planejado que seja, é incerto e demanda da gente força, serenidade para enfrentar todos os obstáculos e adaptação para encarar às incertezas.

Uma das lições do livro foi o retrato do meu sentimento atual, mais importante do que vencer as etapas do tratamento, tem sido aproveitar o caminho. Se no começo eu tive pressa de acabar, hoje eu tenho receio do tratamento acabar antes do que eu preciso. Quero viver esta experiência de forma plena e quero que ela seja realmente transformadora. Quero abrir meus olhos para tudo aquilo que não consigo enxergar na correria do dia-a-dia e poder olhar de forma verdadeira para dentro de mim, me entendo melhor e mais profundamente. E como já disse antes, que o tratamento dure o tempo que tem que durar.

Um outro trecho do livro fala exatamente desta sensação de ir em frente, de ter um objetivo. “É engraçado como o bem-estar não depende do conforto, da tranquilidade ou de situações favoráveis, mas simples e unicamente da sensação de ir em frente”. Realmente não vivo o momento mais favorável da minha vida, mas a sensação de estar buscando a cura, evoluindo no tratamento, de conseguir tornar este momento produtivo em vários aspectos e o quanto ele abriu meus olhos para aproveitar os pequenos prazeres da vida, deixa a sensação de que estou indo em frente. Não do jeito que ia em frente antes, mas de um jeito que eu preciso seguir agora, um novo caminho que levará a um novo rumo.  Afinal a vida nunca será uma única estrada que vamos percorrer do começo ao fim. Serão muitos caminhos que precisaremos percorrer para vivenciarmos tudo que precisamos.

Continuando na mesma lógica ele descreve o quanto somos responsáveis pelo nosso caminho e pela forma como encaramos tudo. “Ao caminhar para um objetivo, sobretudo um grande e distante objetivo, as menores coisas se tornam fundamentais…  e quando não se tem um rumo definido é muito fácil perder horas, dias ou anos sem se dar conta disso… Senti que estava cumprindo uma obra de paciência e disciplina. E percebi como é simples conseguir isso. Nada de sacrifícios extremos ou esforços impossíveis. Nada de grande sofrimentos. Ao contrário, bastava apenas o simples, minúsculo e indolor esforço de decidir. E ir em frente. Então tudo se tornava mais fácil. Os problemas encontravam solução.”

Talvez tanto a travessia do Amyr Klink, quanto o meu tempo de tratamento, sejam apenas momentos mais intensos que representam a vida como ela é. Momentos que precisamos ter mais foco, coragem e serenidade. Momentos que vão exigir muito da gente, em um curto espaço de tempo, mas que serão momentos que se bem aproveitados também trarão muitos ensinamentos e amadurecimento. E todos estes aprendizados no final acabam sendo sempre aplicáveis na nossa vida, afinal, de uma forma menos intensa e em um espaço não tão curto de tempo, como os 100 dias dele e os meus possíveis 6 meses de tratamento, nós sempre estaremos enfrentando desafios, seguindo em frente rumo à um objetivo, que precisamos definir e avaliar constantemente e sempre precisaremos ter foco, coragem, determinação e manter a cabeça erguida para tudo que enfrentamos no dia-a-dia.

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Precisei de sangue, mas recebi muito mais

Chegou o momento do tratamento em que precisei pedir ajuda.  No início desta semana, estava em casa e do nada comecei a sentir muito frio, o que é bem estranho para quem mora no Rio de Janeiro, sem dúvida era um sinal de febre.  Mesmo procedimento de sempre, corre para o hospital. Lá já fiz todos os exames, comecei o antibiótico, remédio para febre e a notícia: devido aos meus exames de sangue eu teria que ser internado por  7 dias. Minhas plaquetas estavam em 2 mil, quando o normal é mais de 150 mil. A médica não queria nem me deixar ir ao banheiro com medo que eu pudesse cair no chão e qualquer ferimento seria um problema grave.

Com este diagnóstico já tive que recorrer para a transfusão de plaquetas. Como peso 78 kg cada bolsa de plaqueta para mim tem o sangue de 8 pessoas. Sim, 8 pessoas!!! Como precisei novamente de outra bolsa, dois dias depois , eu já estava no SPC do Banco de Sangue. Devendo muitas plaquetas e sangue para eles. Assim precisei da ajuda dos meus amigos para darem, literalmente, o sangue por mim.

Fiquei impressionado com a campanha que se formou.  O post que eu fiz na página do Projeto Cura do Linfoma foi compartilhado por 338 pessoas e passou na timeline do Facebook de mais de 45 mil pessoas. Fiquei extremamente surpreso com estes números, mas mais que isso, fiquei emocionado com a mobilização feita.

Foram inúmeras pessoas que se dispuseram a me ajudar. Seja compartilhando o post, chamando os amigos no whatsapp, criando email para toda área de marketing da empresa que trabalho e doando, todo mundo ajudou muito. Fui pego de surpresa por amigos que moram em outros estados, mas que estavam no Rio à trabalho e passaram para doar sangue, mesmo com a agenda apertada e vários compromissos essas pessoas encontraram o tempo para me ajudar. Outra coisa que me surpreendeu muito foi a iniciativa de pessoas que não conheço, amigos de amigos que doaram sangue, que compartilharam a campanha, que chamaram mais gente. É o típico “fazer o bem, sem olhar a quem”.

Contar com o apoio de tanta gente, sentir que uma mobilização se formou, perceber que as pessoas ficaram preocupadas e ajudaram é uma sensação muito boa. Todas as ações foram uma demonstração enorme de carinho que fizeram eu me sentir muito querido.  Uma sensação de que todo contato que tive com cada um foi uma oportunidade de tocar aquela pessoa, e uma alegria de saber que consegui impactar positivamente um número tão grande de pessoas, mesmo na correria do dia-a-dia e naqueles encontros mais banais no café do trabalho. O sentimento que fica é de que estou fazendo algo de bom nesta vida e que energia sempre volta em dobro para a gente.

Não recebi só sangue, no final recebi muita energia positiva e amor. E tenham certeza que tudo isso será muito útil no tratamento e ajudará na minha recuperação. Meu agradecimento eterno à todos!

Lições que minha irmã me ensinou

Quando éramos pequenos ela corrigia os meus chinelos, que eu teimava em botar invertido. Na infância ainda, ela me ensinou que quando um não quer dois não brigam, apesar das nossas esparsas tentativas de brigas, já que nosso apelido era Sandy e Júnior – os irmãos que nunca brigam.

Na adolescência, ela descobriu o mundo e me inspirou a fazer o mesmo. Não que eu tenha conseguido fazer metade do que ela fez e nem ter vivido tantas experiências como ela viveu. Nos formamos na faculdade juntos, uma festa só, e ali ela me mostrou que nem todo mundo quer a mesma coisa, que meu desejo louco de virar trainee era o meu desejo e não o dela, era a minha verdade e não a dela.

Há pouco temos atrás ela me fez perceber as infinitas possibilidades que a vida nos oferece e as mais diversas dimensões de sucesso e realização.

Parece que foi ontem que ela chegou aqui no Rio para cuidar de mim, deixou toda sua vida para trás e veio para perto de mim. Chegou no início do tratamento e foi minha companheira até sexta-feira, quando ela e meu cunhado partiram de volta para a Austrália. Desta vez aprendi que amor de irmão não tem barreiras e que o conforto de tê-la ao meu lado já foi o suficiente para encher o meu espírito de alegria.

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Temos nossas semelhanças e nossas diferenças e outra coisa que ela me fez perceber é que foram nas nossas diferenças que a gente mais marcou a vida um do outro. Foi quando, mesmo sem querer admitir, porque com ela eu sou teimoso, ela me mostrou um novo caminho, uma nova forma de pensar. Nas diferenças conseguimos genuinamente viver a experiência do outro e tirar os aprendizados, mesmo sem ter feito tantos intercâmbios ou sem ter entrado de corpo e alma no mundo corporativo. Nas semelhanças geralmente apenas encontramos o reforço de alguns defeitos, que a gente chama de “defeitos de família” e assim alivia o peso da nossa responsabilidade sobre eles.

Que não faltem oportunidades para você abrir meus olhos, para a gente discordar, para eu fingir que eu não te ouço, mas para no final ficar pensando no que você me disse.

Agora estamos longe, mas que cada um siga seu caminho com mais um pouco do outro dentro de si.

O tempo das coisas

No começo ficava preocupado com o tempo que o tratamento duraria. Queria saber as datas específicas de começo e fim, queria planejar a minha volta para o trabalho, para academia, as viagens que deixei para trás, enfim queria acelerar ao máximo o tratamento. Lembro que entre o primeiro e o segundo ciclo, meu sistema imunológico se recuperou tão bem que consegui adiantar a próxima quimio em três dias. E isso foi fundamental para salvar meu réveillon, ao invés de passar internado no hospital, dia 31 de dezembro tive alta para ver os fogos em casa com a minha família. Porém, também lembro que na minha cabeça aqueles três dias tiveram outro significado. Pensei: se eu adiantar três dias cada ciclo, sendo 8 ciclos (7 intervalos) eu ganharia 21 dias, ou seja, poderia encerrar o tratamento 21 dias antes. Naquele momento, tracei esse objetivo, acelerar o máximo que eu pudesse e o médico permitisse, tentando ganhar ao menos 1 dia em cada intervalo.

Impressionante como em pouco tempo muita coisa muda. Estou esperando para começar o quarto ciclo e este ciclo parece que está “amarrado” hehehe, primeiro tive que adiar uma semana o início dele, pois um dos remédios da quimio atacou o fígado, precisava me recuperar antes de iniciar o novo ciclo. Depois faltando cinco dias para voltar para a quimio, tive febre. Comecei a sentir frio, medi a temperatura e estava com 38 graus. Fui para o hospital, fiz mil exames, nenhuma infecção foi descoberta, depois de um antibiótico na veia e dipirona a febre baixou e pude voltar para casa. Junto comigo veio a prescrição de uma semana de antibiótico, ou seja, terei que esperar mais três dias (além da uma semana que já estava na conta) para começar o quarto ciclo.

Como eu falei as coisas mudam, e a gente muda junto… Mesmo antes da primeira postergação do início do ciclo, minha preocupação já não era mais acelerar o tratamento. Comecei a pensar se ia dar tempo de fazer todos os cursos que eu havia planejado, ler todos os livros, mas principalmente, se ia dar tempo de eu passar pelo processo de auto-conhecimento e poder sair uma pessoa melhor de tudo isso. Se eu vou ter tempo de trilhar o caminho da descoberta de quem eu sou, de quem eu quero ser e conseguir caminhar em direção à esta mudança.

Entretanto, uma coisa eu já aprendi também, o tratamento vai durar o tempo que tem que durar. E não cabe a mim decidir, cabea mim fazer o melhor com isso.

O período de maior ganho em conhecimento e experiência é o período mais difícil da vida de alguém.” – Dalai Lama

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Tempo

Já se passaram praticamente 2 meses desde o diagnóstico do linfoma, de lá para cá muita coisa aconteceu, busca por médicos, mil exames, 25 dias internado, inclusive no Natal, mais 16 dias em casa, incluindo o Réveillon J , 2 ciclos de quimioterapia e 2 transfusões de plaqueta.

Aprendi muita coisa, venci alguns medos, como o medo da transfusão, por exemplo, sei lá porque na minha cabeça era algo muito maior do que foi, pode ter sido inexperiência mesmo. Aprendi a valorizar as pequenas coisas, a me sentir grato por pequenos acontecimentos e vitórias, aprendi que agora é o momento que tenho para me dedicar à minha cura, o resto é secundário e o mais importante, aprendi o poder que temos para trazer alegria para outras pessoas, seja pela nossa presença, seja por palavras vindas de longe.

Entretanto, uma coisa eu ainda não aprendi, a minha relação com o tempo continua muito exatamente com o que era antes.

Para você entender, a minha relação com o tempo é muito parecida com a relação que eu tinha com o Sol quando morava em Curitiba, para quem não conhece a cidade, lá o Sol aparecer é um acontecimento. Sempre disse que o slogan de Curitiba deveria ser “a cidade onde o verão passa reto”  hehe, enfim, cada vez que saia o sol no final de semana eu acordava desesperado para sair, correr, beber algo, aproveitar ao máximo. Com o tempo é a mesma coisa, quando tenho, fico ansioso para ser o mais produtivo possível.

Tenho uma crença muito forte de que o tempo não pode ser desperdiçado. O que você faz com o seu tempo é muito importante, pois com certeza você deixou de fazer algo por ter feito aquilo. Com o tempo toda escolha é uma renúncia. Por isso sempre cuidei para aproveitá-lo ao máximo.

Além disso, depois de anos acostumado a trabalhar das 9-10 hs até as 19-20 hs de segunda a sexta, você vira refém do horário comercial. Chega a ser engraçado, meus únicos compromissos são o meu médico e meus exames e mesmo assim sigo a minha vida com as regras da vida de um trabalhador. Acordo e já faço a lista de coisas que tenho que fazer para que aquele dia seja produtivo, “trabalho” até de tarde e de noite fico relaxando, afinal, acabou o expediente.

Acho ótimo ser organizado e focado, pois aproveito ao máximo o meu tempo, mas porque respeitar os dias úteis e o horário comercial? Porque tenho que continuar na rotina de trabalho, sem estar no trabalho. Claro que incluo alguns momentos de relaxamento no meio, Netflix e exercícios físicos, mas sempre com a preocupação de voltar o quanto antes ou a culpa de ter demorado demais.

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Esse será um desafio, organizar a minha vida e as minhas atividades de uma maneira produtiva, mas da minha maneira, não de como fui acostumado pelas regras da sociedade, repensar o tempo, ser mais flexível.  A minha ansiedade em aproveitar o Sol, só foi curada quando vim morar no Rio de Janeiro, onde o sol reina soberano quase todos os dias. Talvez o tratamento do câncer seja o meu Rio, mas ao invés de tirar minha ansiedade para aproveitar o Sol, vai melhorar minha relação com o tempo, afinal agora tenho de sobra.

“Não tenhamos pressa, mas não percamos tempo” – José Saramago

Enfim, casa…

Ir para casa tem um significado especial depois de passar 25 dias internado no hospital. O hospital foi super confortável, quarto com frigobar pra eu armazenar comida contrabandeada, sofá para acompanhante dormir, que ninguém reclamou, poltrona e mesa que eu chamei de escritório, televisão com Net, mesmo com telecine, liguei três vezes, realmente passei para a geração “on demand”. Recebi várias visitas queridas e sempre estava acompanhando. E também consegui manter parte da minha dieta.

Sim, quando a nutricionista foi me ver pela primeira vez ela deve ter pensado “Isso é uma cilada”. Lembro como se fosse hoje, quando ela entrou no quarto, na hora resgatei do MBA a parte de técnicas de negociação, meu objetivo era sair dali com o máximo de calorias na minha dieta e mantendo a minha alimentação saudável. Consegui! Seis refeições todas com arroz e pão integral, sem açúcar e zero gordura, além de suplementação. Posso estar doente, mas esta parte mudei muito pouco hehe.

Entretanto, a rotina do hospital é um saco!  Imagina durante todo esse período eu fiquei conectado a um suporte que prendia a medicação. Apelidei o suporte de “meu cajado”, achei bem mais apropriado que o nome original. Esse suporte tinha uma bomba, que ficava ligada à tomada, em resumo, minha mobilidade era a de um celular sem bateria hehehe cada vez que eu queria mudar de lugar, ou seja, de tomada, tinha que desconectar, ai a bomba apita pra avisar que esta na bateria, você desliga o sinal e carrega o negocio junto com você e conecta em outra tomada. Agora imagina isso de noite, no escuro, 5 x,  sim porque eu estava tomando diurético. INFERNO!

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Eu e meu cajado 

Aliás, sobre dormir, ou não dormir, cada vez que pensei em dormir cedo me senti muito inocente, a rotina do hospital te ensina a dormir em doses homeopáticas. “Vou dormir as 22 hs” (aham!), 23 hs apita a bomba porque acabou o soro, ai você chama o enfermeiro através de um botão, sabendo que nos próximos 5 min alguém vai entrar no quarto pra mexer no meu cajado, 1 h da manha vem a enfermeira (tadinha usa a luz do corredor pra tentar não te acordar) mas ela ainda tem que dizer a medicação:  “vou botar o zovirax, digesan e decadron” aí você pensa: nem acordado sei o que é isso, essa hora se quiser me envenenar eu vou dizer amém. Vou dormir! 5:30  “Bom dia seu Felipe, vim colher o seu sangue”, AH NÃO, SÉRIO? de madrugada a pessoa que vai atrás de sangue é vampiro, só pode! E como toda vez era uma pessoa diferente, toda vez eu ouvia o mesmo elogio: “humm que veia boa você tem” é a decadência, já ouvi elogio do cabelo, do sorriso, já ouvi que estava forte, agora só sobrou a veia pra elogiar moça? Me ajuda na autoestima por favor, olha a hora! Vou dormir! 6:00 a menina da limpeza entra pra recolher o lixo, com ela já nem acordo. 6:30 enfermeira, mais medicação de nome estranho, medir seus sinais vitais, pressão, batimento e temperatura, tudo deitado, estou de boa, até que ela precisa te pesar, isso significa levantar e andar no corredor iluminado do hospital até a balança, e não esqueçam carregando o meu cajado! Essa hora penso, ainda bem que estou careca, imagina meu cabelo recém acordado pra sair do quarto e andar pelo hospital, menos uma preocupação. Quando a enfermeira te deixa no quarto ela ainda fala, agora vou deixar você dormir. Moça, sono não é um negócio que eu tomo e vem, sono é chave em bolsa de mulher, você nunca acha e quanto mais procura mais irritado fica. Já acordei! Desisto! Aliás, estou tão acordado que este texto foi produzido as 6:41 enquanto eu ainda estava no hospital!

Primeira noite em casa dormi até as 10 hs, me senti vingado 🙂

Outras internações virão, mais exames, sangue, talvez até transfusão de sangue, mas que eu sempre possa achar graça e manter o bom humor sempre.

 “Humor não é um estado de espírito, mas uma visão de mundo”. – Ludwig Wittgenstein

A Felicidade é um Caminho que Você Escolhe Percorrer

Hoje começo o segundo ciclo da quimioterapia, mais uma etapa de um tratamento de oito ciclos no total. Tenho medo das incertezas que esta nova etapa traz, as drogas usadas agora são diferentes das usadas na primeira parte do processo, mas não posso deixar de pensar o quão grato sou por ter passado pelo primeiro ciclo praticamente ileso. Quase não senti efeitos colaterais e passei um período que quase posso chamar de férias, não fossem todas as atividades que eu mesmo arranjei para eu fazer, sempre preocupado em ser o mais produtivo possível, ou seja, nada de férias hehehe

Gratidão é um sentimento no qual eu tenho pensado com certa frequência. Fui surpreendido pelo número de mensagens que falavam da minha postura frente à doença. Óbvio, apesar de ser um câncer, algo que choca, por ser um linfoma, as taxas de cura e a chance de retomar a vida exatamente como ela era são enormes. Por isso a minha maior preocupação foi lidar com o período do tratamento. E é nesse ponto que eu me agarrei ainda mais às coisas boas, coisas que me tranquilizaram e deixaram seguro. Escolhi olhar para o lado bom dessa história. Estou rodeado por uma equipe de médicos na qual confio, enfermeiros e técnicos super atenciosos e um hospital extremamente confortável.  Tratamento checked! E o apoio durante este processo? Tenho um marido extremamente dedicado e atencioso, que não quer arredar o pé do hospital, que com horário flexível de trabalho consegue passar muito tempo comigo, e ainda ficou careca só para me deixar mais confortável com a minha queda de cabelo. Conto com uma irmã que, por estar de mudança de Melbourne para Sidney, resolveu atrasar seus planos de volta a sua cidade e passar 3 meses aqui, para cuidar de mim e passar meu aniversario comigo, e minha mãe claro, extremamente dedicada, que pagou excesso de bagagem só para trazer comida de Porto Alegre (ela trouxe uma abóbora ahahhah), além, é claro e uma quantidade infinita de amigos que sempre mandam mensagens carinhosas e se preocupam comigo e  me colocam para cima…. Além disso, recebi a notícia de que passarei o réveillon em casa J . Não tenho motivos mais do que suficientes para poder ver o lado bom desta história?

Minha irmã me deu um livro, no qual você deve escrever 3 coisas pelas quais vocês é grato naquele dia. Este é um exercício que completo com tranquilidade, sempre fui de olhar para o lado positivo das coisas e neste momento as pequenas coisas boas ganham ainda mais peso e se tornam ainda mais evidentes.

Não tenho paciência pra lamentação. Lamentar é diferente de reclamar. Lamentar é reclamar sem agir, é se tornar refém dos problemas e não focar na solução. A inércia da lamentação torna o problema uma âncora, não permitindo a pessoa sair daquela situação e nem ter outras perspectivas. A vida é feitas de coisas boas e ruins e assim ela se equilibra. Passando pelos momentos ruins valorizamos ainda mais os bons. Nada é perfeito, preferia não ter câncer, mas reclamo daquilo que posso mudar! De resto, foco no lado bom para ajudar a atravessar as fases ruins.

Acredito tanto nisso que há dois anos atrás tatuei no meio peito: “A felicidade é um caminho que você escolhe percorrer”.

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Aceitar é um processo de criar expectativas e desconstruí-las

Antes mesmo da confirmação do linfoma, eu já comecei a passar pelo processo de aceitação, comecei a me acostumar com a ideia aos poucos. Quando o diagnóstico chegou, confirmando todas as suspeitas, já não tive um susto, já estava preparado. Entretanto, não estava preparado para o tratamento. Na minha cabeça otimista, o tratamento da quimio seria feito em uma sexta, eu iria descansar sábado e domingo, e segunda já estaria de volta na academia e no trabalho. Sim, uma completa ilusão para o meu caso, mas que me permitiu processar as informações aos poucos.

Quando tive o diagnóstico completo, incluindo o subtipo (linfoma não-hodkings de burkitt), entendi que o processo não seria tão simples e fácil quanto eu imaginava. Demandaria bem mais de mim do que eu no início planejei. Serão 4 dias internado no hospital e 15 dias de repouso em casa, ainda tentei negociar com o médico o termo “casa”, isso poderia incluir academia e trabalho? Obviamente não. Ok, informação processada, foco 100% no tratamento, aceitei que serão 5 meses diferentes, sem a mesma rotina de sempre. Mas comecei a perceber que uma palavra surgiu no meio de tudo isso, e por mais estranho que seja, estou encarando este tempo como uma oportunidade. Oportunidade de fazer tudo que eu já deveria ter feito, de me dedicar a alguns cursos on-line, estudar línguas, fazer meu imposto de renda no início do ano hehehe, ler todos os livros que tenho empilhados ao lado da minha cama. Enfim, tudo que me faltava tempo para fazer agora virou uma lista de pequenos projetos a cumprir. E com certeza isso ajuda, dar um rumo, uma motivação para o dia-a-dia, a sensação de produzir me faz bem. Inclusive escrever sobre isto é uma forma também de me sentir vivenciando ainda mais esta experiência.

A própria internação foi outro momento de desapego, dia 5 de dezembro fui na médica com a expectativa de me internar apenas na semana seguinte, ter uma semana para preparar tudo, fazer reuniões, me despedir, resolver pendências, mas não tive este tempo. No dia seguinte já estava internado. E ao me internar outra surpresa, o primeiro período de intervalo (15 dias entre um ciclo de quimio e outro) seriam passados no hospital, isso inclui Natal e Réveillon. Mais uma vez, pega as expectativas, desconstrói e pensa: “que bom estarei sendo bem cuidado, bem acompanhado e em um hospital ótimo, onde posso contar com as visitas dos meus amigos, a companhia do meu marido, irmã e mãe”. Pronto, passou! Nova realidade aceita e sem apego.

E isto tem sido um grande aprendizado para mim, sempre fui uma pessoa de criar muitas expectativas, de não aceitar bem as vulnerabilidades da vida e ter tudo muito bem planejado. Mas como diria Woody Allen: “Quer fazer Deus rir? Então conte seus planos a Ele”.

Espere o melhor, prepare-se para o pior e aceite o que vier – Provérbio Chinês

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