Minha travessia rumo à cura

Acabei o quinto ciclo de quimioterapia e com muita alegria foi um ciclo bem tranquilo, sem efeitos colaterais, exceto claro o sono atrasado de dormir apenas de 3 em 3 horas no hospital, mas isso eu recuperei em casa. Acabei passando duas semanas no hospital, fui internado com febre e devido à imunidade baixa tive que ficar tomando dois antibióticos na veia por uma semana. Algumas transfusões de plaqueta, como relatei no post passado e aproveitei para emendar a quimioterapia e sair de lá com menos um ciclo pela frente. Aguentei os 15 dias no hospital, sempre olhando para os dias que viriam em casa.

Parece mentira, mas já passei da metade do tratamento. Achei que ia ser um marco muito significativo, que seria um momento especial, mas como nada é por acaso, mês passado eu li o livro do Amyr Klink, 100 dias entre o Céu e o Mar, onde ele relata a travessia que ele fez entre a África e o Brasil, em 1984, a bordo de um barco a remo. Algumas lições do livro eu achei extremamente pertinentes ao tratamento, afinal também estou vivendo uma travessia. Assim como ele o caminho, por mais planejado que seja, é incerto e demanda da gente força, serenidade para enfrentar todos os obstáculos e adaptação para encarar às incertezas.

Uma das lições do livro foi o retrato do meu sentimento atual, mais importante do que vencer as etapas do tratamento, tem sido aproveitar o caminho. Se no começo eu tive pressa de acabar, hoje eu tenho receio do tratamento acabar antes do que eu preciso. Quero viver esta experiência de forma plena e quero que ela seja realmente transformadora. Quero abrir meus olhos para tudo aquilo que não consigo enxergar na correria do dia-a-dia e poder olhar de forma verdadeira para dentro de mim, me entendo melhor e mais profundamente. E como já disse antes, que o tratamento dure o tempo que tem que durar.

Um outro trecho do livro fala exatamente desta sensação de ir em frente, de ter um objetivo. “É engraçado como o bem-estar não depende do conforto, da tranquilidade ou de situações favoráveis, mas simples e unicamente da sensação de ir em frente”. Realmente não vivo o momento mais favorável da minha vida, mas a sensação de estar buscando a cura, evoluindo no tratamento, de conseguir tornar este momento produtivo em vários aspectos e o quanto ele abriu meus olhos para aproveitar os pequenos prazeres da vida, deixa a sensação de que estou indo em frente. Não do jeito que ia em frente antes, mas de um jeito que eu preciso seguir agora, um novo caminho que levará a um novo rumo.  Afinal a vida nunca será uma única estrada que vamos percorrer do começo ao fim. Serão muitos caminhos que precisaremos percorrer para vivenciarmos tudo que precisamos.

Continuando na mesma lógica ele descreve o quanto somos responsáveis pelo nosso caminho e pela forma como encaramos tudo. “Ao caminhar para um objetivo, sobretudo um grande e distante objetivo, as menores coisas se tornam fundamentais…  e quando não se tem um rumo definido é muito fácil perder horas, dias ou anos sem se dar conta disso… Senti que estava cumprindo uma obra de paciência e disciplina. E percebi como é simples conseguir isso. Nada de sacrifícios extremos ou esforços impossíveis. Nada de grande sofrimentos. Ao contrário, bastava apenas o simples, minúsculo e indolor esforço de decidir. E ir em frente. Então tudo se tornava mais fácil. Os problemas encontravam solução.”

Talvez tanto a travessia do Amyr Klink, quanto o meu tempo de tratamento, sejam apenas momentos mais intensos que representam a vida como ela é. Momentos que precisamos ter mais foco, coragem e serenidade. Momentos que vão exigir muito da gente, em um curto espaço de tempo, mas que serão momentos que se bem aproveitados também trarão muitos ensinamentos e amadurecimento. E todos estes aprendizados no final acabam sendo sempre aplicáveis na nossa vida, afinal, de uma forma menos intensa e em um espaço não tão curto de tempo, como os 100 dias dele e os meus possíveis 6 meses de tratamento, nós sempre estaremos enfrentando desafios, seguindo em frente rumo à um objetivo, que precisamos definir e avaliar constantemente e sempre precisaremos ter foco, coragem, determinação e manter a cabeça erguida para tudo que enfrentamos no dia-a-dia.

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